Por Elenilson Nascimento
Estou, mais uma vez, naquela fase de acabar de ler dois livros ao mesmo tempo. Sei que há uma corrente de mesmice que diz que isso não é muito saudável – ou melhor, dependendo de quem você consulta, vai ouvir que isso é “coisa de quem não gosta de livros”. Mas enfim… acabo lendo mesmo!
Os respiros entre uma história e outra, as conexões que vamos fazendo entre as narrativas de certos autores amados, as sutis comparações – isso tudo é muito precioso pra mim, e desde quando eu era um leitor adolescente aprendi a gostar de me envolver assim com os livros. E não gosto de emprestar. E não é depois de “velho” que eu vou mudar…
Então, depois de terminar mais uma leitura dificílima, por sinal, e, inevitavelmente, prestes a iniciar outras, eu vou logo escrever sobre essa última. Mas vamos ver se eu consigo seduzir você a fazer o mesmo. Pois achei, por incrível que possa parecer, uma experiência que se arrastou por semanas seguidas, apesar de adorar o autor. Mas não tinha que ser assim. Mas foi. Pois o meu problema central com esse livro de Saramago – e não apenas na malfadada pontuação de todos os seus livros – é a forma como cede facilmente ao clichê: religião = morte = Deus.
“No dia seguinte ninguém morreu. O facto, por absolutamente contrário às normas da vida, causou nos espíritos uma perturbação enorme, efeito em todos os aspectos justificado, basta que nos lembremos de que não havia notícia nos quarenta volumes da história universal, nem ao menos um caso para amostra, de ter alguma vez ocorrido fenómeno semelhante...” (p. 11) Dessa forma Saramago abre o livro “As Intermitências da Morte”, publicado originalmente em 2005, com esse título que me pulou aos olhos desde que foi lançado. Mas confesso: um livro muito complicado e com parágrafos gigantescos!
Numa narrativa impessoal, que não prendeu tanto a minha atenção, Saramago conta a história de um país fictício, sem se apegar nem nomear personagens. Alguns aparecem como exemplos, não têm rostos nem nomes, apenas cargos e parentesco. Só lá pelas tantas é que aparece a protagonista, que já o era mesmo na ausência. A Morte, através de uma carta enviada ao diretor de uma emissora de televisão, explica seus motivos de inatividade e anuncia que voltará à ativa, mas passará a avisar os futuros mortos uma semana antes, para que estes possam se despedir e resolver pendências como o testamento. “E se acabasse a morte não poderia haver ressurreição, e que se não houvesse ressurreição, então não teria sentido haver igreja”. (p. 36)
No livro, cansada de ser detestada pela humanidade, a ossuda resolve se rebelar e suspender todas as suas atividades. De repente as pessoas simplesmente param de morrer, gerando um caos nos hospitais e cidades. E o que no início provoca um verdadeiro clamor patriótico logo se revela um grave problema, pois idosos e doentes agonizam em seus leitos sem poder “passar desta para melhor”. Os empresários do serviço funerário se veem “brutalmente desprovidos da sua matéria-prima”. Hospitais e asilos geriátricos enfrentam uma superlotação crônica, que não pára de aumentar. O negócio lucrativo das companhias de seguros entra em crise. “Os representantes das empresas funerárias, enterros, incinerações e transladações vão à mesma hora na sede da corporação”. (p. 103) O primeiro-ministro não sabe o que fazer, enquanto o cardeal se desconsola, porque “sem morte não há ressurreição, e sem ressurreição não há igreja”. (“AS INTERMITÊNCIAS DA MORTE”, de José Saramago, romance, 3ª edição, 2007 pags., Companhia das Letras – 2005)
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Elenilson, gostei da tua resenha. Tanto pelo conteúdo quanto pela forma como você escreve. Passa claramente a sensação de alguém capaz de se encantar com livros. Parabéns.
ResponderExcluir(Ah, eu também leio mais de um livro por vez. E mesmo quando estou com apenas um, os demais acabam invadindo minha leitura. Acho gostoso ficar associando histórias, autores, cenas e situações)
Eu li Intermitências da Morte e gostei. Não é meu preferido do autor, mas me fez rir em vários momentos - e em alguns uma risada de nervosismo, por reconhecimento de atitudes e emoções.
Penso que fecha bem como leitura posterior a Ensaio sobre a Cegueira e Ensaio sobre a Lucidez. Há uma proximidade entre essas obras, pelo inusitado, pela parada obrigatória que a situação "anormal" cria na nossa corrida diária.
A pontuação de Saramago não me incomoda, não. Nas primeiras páginas, ocorre um estranhamento. Depois, as cenas e imagens tomam conta e o ambiente criado parece impossível de ser criado com uma pontuação normal.
Este livro é ótimo! Eu adoro Saramago, a forma como ele escreve e as críticas que apresenta nos livros. Simplesmente fantástico!
ResponderExcluirÓtima dica de livro!
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