Por Elenilson Nascimento
Um dos muitos biógrafos de Vinicius de Moraes, José Castello, autor do excelente livro “Vinicius de Moraes: o Poeta da Paixão - uma biografia” escreveu que o poeta foi um homem que viveu para se ultrapassar e para se desmentir; para se entregar totalmente e fugir, depois, em definitivo; para jogar, enfim, com as ilusões e com a credulidade, por saber que a vida nada mais é que uma forma encarnada de ficção. Mas Vinicius foi, antes de tudo, um apaixonado — e a paixão, sabemos desde os gregos, é o terreno do indomável, perigoso e mortal. “A maior solidão é a do ser que não ama. A maior solidão é a dor do ser que se ausenta, que se defende, que se fecha, que se recusa a participar da vida humana”, escreveu o poeta.
Mas Vinicius também passou a vida inteira rompendo convenções sociais. Passou da poesia culta (*e muitas vezes chata e acadêmica demais) para a popular, misturando ritmos brancos com negros, samba com candomblé e o comportamento aristocrático com o boêmio – o que gerou um desconforto em muitos publicáveis. E, indo contra a maré, derrubou todas as convenções também na área literária, usando o soneto após a revolução modernista de 1922, que cassava os olhos e a cabeça.
No filme/documentário “Vinicius” de Miguel Faria Jr. podemos contemplar com certa admiração o diplomata de carreira que escandalizou a sociedade ao dar entrevistas cantando com um copo na mão. Muito engraçado! Mas foi nas parcerias com Tom Jobim, na sua peça “Orfeu do Carnaval”, que ganhou a Palma de Ouro no Festival de Cannes, ao ser transformada por Marcel Camus no excelente filme “Orfeu Negro”, que ele começou a incomodar.
Muito mais tarde ainda junto a Tom e o chatinho do João Gilberto criou a bossa-nova, um dos principais movimentos de renovação musical do Brasil. Entre os sucessos de Vinicius, destacam-se “Tarde de Itapoã”, “A felicidade” (“Tristeza não tem fim, felicidade sim”), “Garota de Ipanema” e muitos outros clássicos da MPB, como “Marcha da Quarta-Feira de Cinzas”, “Samba da benção” e outros. Se bem que eu adoro “A foca” (“Quer ver a foca ficar feliz? É pôr uma bola no seu nariz. Quer ver a foca bater palminha? É dar a ela uma sardinha”).
Mas qualquer que seja a análise feita da obra de Vinicius, não se pode escapar das palavras "mudança", "evolução", "transição". E essa coletânea de crônicas e poesias é exatamente isso. Logo de cara, ela é precedida por uma “Advertência” do autor (*mas ele não assinada), onde diz que “os poemas, muitos dos quais escritos nesse mesmo interregno, visam a amenizar um pouco a prosa: dar-lhe, quem sabe, um "balanço" novo”.
O livro é demasiadamente descomprometido com regras e estilos, mas é muito charmoso. Admiramos o poeta viril e terno em poesias como “O poeta aprendiz” (aquele poeminha que a Adriana Calcanhoto musicou); um poema delicioso chamado “Poema para Candinho Portinari” em homenagem ao grande artista plástico brasileiro; “Poema para Gilberto Amado”, em homenagem ao seu amigo jornalista e poeta (“O homem que pensa, tem a fronte imensa. Tem fronte pensa”); em “O poeta e a rosa e com direito a passarinho” é de uma ingenuidade impressionante; “O mosquito” é divertido e “O anjo das pernas tortas” é uma homenagem ao Mané Garrincha.
Sua poesia, além de ser a encarnação do movimento e do transitório, elege a busca como motor primordial: do divino, da coisa ordinária, do homem concreto, do homem social, do homem banal, do amante e, sobretudo, da mulher. E na busca da mulher, das infinitas mulheres que se concentram e se desprendem de uma mulher, a afirmação do motivo principal: POESIA. (“PARA VIVER UM GRANDE AMOR”, de Vinicius de Moraes, crônicas e poemas, 222 págs, Cia das Letras – 1991)
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