sexta-feira, 24 de agosto de 2012

O LOBO DA ESTEPE – Hermann Hesse


Esse livro é o espelho no Teatro Mágico: revela ao leitor as infinitas facetas de sua própria alma.

Li pela primeira vez durante a adolescência. Foi o meu primeiro de Hermann Hesse. E que paulada!

Ao lê-lo me senti não como um estranho no ninho, e sim como membro de uma secreta confraria mágica, de sublimes e lindos mistérios. Recebi de Dom Hesse a benção para ser quem sou.

Lendo pela segunda vez, me surpreendi quase fechando o livro no meio. Muitas questões existenciais fortíssimas, muito desespero, muito olho no olho do abismo.

Muito me ajudou a bela imagem evocada por Franklin de Oliveira na orelha do livro. Ele compara Hesse à luz, que encontra o caminho da iluminação em sua obra prima e derradeira, “O Jogo das Contas de Vidro”. E continua Franklin:

“Mas, antes dele está “O Lobo da Estepe”, romance de clarões, de relâmpagos, um incêndio que encandeia, estonteia mais do que ilumina. A luz serena que guia em vez de cegar, flui de “O Jogo das Contas de Vidro”. Todavia não podemos usufruí-la sem antes nos queimar primeiro nas chamas de “O Lobo da Estepe”.”

Muito bem observado. Esse livro queima!

Queima e purifica, tal como um banho frio de cachoeira!!!

Pois ao terminar a leitura, após passar pelo fogo, me senti renovado, revigorado, rejuvenescido.

Lavei e passei de novo minha alma a ferro e fogo. Renovei minha carteira para ser quem sou!



Estou copiando alguns trechos que me marcaram mais, e compartilho aqui:

“Divertido e multíplice é o jogo da Humanidade: a ilusão que levou milhares de anos para ser descoberta pelos hindus é a mesma ilusão que aos ocidentais custou tanto trabalho custodiar e fortalecer.”

“O homem não é uma forma fixa e duradoura (tal era o ideal dos antigos, apesar do pensamento em contrário de alguns luminares da época); é antes um ensaio e uma transição, não é outra coisa senão a estreita e perigosa ponte entre a Natureza e o Espírito. Para o espírito, para Deus ele é impulsionado por sua vocação íntima. Para a natureza, para a mãe, é atraído pelo mais íntimo desejo. Sua vida oscila vacilando angustiosamente entre ambos os poderes.”

“O caminho para a inocência, para o incriado, para Deus, não se dirige para trás e sim para diante; não para o lobo ou a criança, mas cada vez mais para a culpa, cada vez mais fundamente dentro da encarnação humana. (...) Em vez de reduzir o teu mundo, de simplificar a tua alma, terás de recolher cada vez mais mundo, de recolher no futuro o mundo inteiro na tua alma dolorosamente dilatada, para chegar talvez algum dia ao fim, ao descanso.”

“Um homem capaz de compreender Buda, um homem que tem noção dos céus e dos abismos da natureza humana, não deveria viver num meio em que domina o senso comum, a democracia e a educação burguesa. Só por covardia continua a viver nele, e quando suas dimensões o oprimem, quando a estreita cela do burguês se torna demasiado apertada, ele atribui tudo isto ao lobo e não quer aperceber-se de que às vezes o lobo é a sua parte melhor.”

“Enforcar-se deve ser uma coisa difícil, suponho. Mas viver, viver é muito mais difícil! Só Deus sabe o quanto é difícil!”

“Como pode dizer que a vida lhe deu muito trabalho se você nem sequer sabe dançar?”
***
“Porque eu sou como você. Porque estou tão só e amo tão pouco a vida, as pessoas e a mim mesmo quanto você e, como você, não posso levar nada disto a sério. Sempre houve pessoas assim, que exigem da vida o que ela tem de mais alto e não podem conformar-se com sua estupidez e crueldade.”

“Aquelas imagens – eram centenas, com e sem nome – estavam ali de novo, surgiam novas e jovens do poço daquela noite de amor, e tornei a ter consciência do que havia esquecido na miséria, que elas eram o tesouro e os bens da minha vida e que continuavam existindo inalteráveis, acontecimentos culminantes que poderia esquecer, mas não destruir, cuja série formava a lenda de minha vida, cujo brilho era o indestrutível valor de minha existência. Minha vida fora penosa, transtornada e infeliz, conduzindo à destruição e ao niilismo, fora amargurada pelo sal de todo destino humano, mas havia sido rica, orgulhosa e senhorial; uma vida soberba até mesmo na miséria. E ainda que o resto do caminho até o ocaso fosse inteiramente desfigurado, o cerne desta vida fora nobre, tinha feição e estirpe, não girara em torno das moedas, mas em torno das estrelas.”

“Sempre exigira das mulheres a quem amara que tivessem inteligência e educação, sem me dar conta de que nem mesmo a mulher mais espiritual e relativamente educada jamais dera resposta ao logos que havia em mim, mas antes, se opunha a ele; confiava meus problemas e pensamentos às mulheres, e me havia parecido inteiramente impossível amar por mais de uma hora uma jovem que não lesse um livro, que não soubesse o que é ler, que não conseguisse distinguir uma peça de Tchaikóvski de uma de Beethoven.”

“- (....) A infelicidade de que necessito e por que anseio é diferente; é uma infelicidade que me permitiria sofrer com ânsia e morrer com prazer. Essa é a infelicidade, ou felicidade, por que anseio.
- Compreendo. Nisso somos iguais.”

“Quem quiser hoje viver e satisfazer-se com sua vida, não pode ser uma pessoa assim como você ou eu. Quem quiser música em vez de balbúrdia, alegria em vez de prazer, alma em vez de dinheiro, verdadeiro trabalho em vez de exploração, verdadeira paixão em vez de jogo, não encontrará guarida neste belo mundo...”

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