quinta-feira, 26 de julho de 2018

BARULHOS – Ferreira Gullar


Esta é a segunda obra que leio do grande Ferreira Gullar, em seguida à sua impactante “A Luta Corporal”. Aqui encontrei o Poeta mais comedido e circunspecto, bem diverso do selvagem lutador de MMA, com sua poesia jiujiteira que nos agarra pela gola e já parte para um mata leão. É que mais de trinta anos separam “Barulhos” de “A Luta Corporal”. Lá estava o inflamado poeta concretista, no auge de sua juventude, e aqui temos o poeta maduro, depois de ter passado por inúmeros caminhos poéticos (inclusive a literatura de cordel).

Em “Barulhos”, encontramos um Gullar muito sensibilizado pela questão da morte, tanto a própria quanto a dos amigos, que são lembrados em várias e tocantes elegias. A preocupação com a mortalidade está presente da mesma forma no instigante conceito do “poema podre”, da poesia que se apresenta como uma fruta apodrecendo. E também, em um vislumbre que considerei diametralmente oposto, na conversa que o poeta estabelece com os amigos mortos, percebendo na Poesia a possibilidade de perceber uma continuidade para a existência após a morte física (coisa que o marxista Gullar não pode admitir).

Ainda assim, há algo de indelével e marcante tanto no jovem e furioso poeta de “A Luta Corporal” quanto no reflexivo e por vezes tristonho senhor de “Barulhos”, que falam de uma linda e inspiradora caminhada de vida, onde a Poesia é sempre guia e fiel companheira de viagem.

Amei todos os poemas deste livro, mas destaco “O Lampejo” como belíssimo exemplo da verve deste que é um dos maiores Bardos de nossa terra. Viva Ferreira Gullar! Viva a Poesia!

“O LAMPEJO

O poema não voa de asa-delta
não mora na Barra
não freqüenta o Maksoud.
Pra falar a verdade, o poema não voa:
anda a pé
e acaba de ser expulso da fazenda Itupu
                                             pela polícia.

Come mal dorme mal cheira a suor,
parece demais com o povo:
                                             é assaltante?
                                             é posseiro?
                                             é vagabundo?
frequentemente o detêm para averiguações
    às vezes o espancam
    às vezes o matam
    às vezes o resgatam
    da merda
           por um dia
e o fazem sorrir diante das câmeras da TV
de banho tomado.

O poema se vende
                 se corrompe
confia no governo
desconfia
de repente se zanga
e quebra trezentos ônibus nas ruas de Salvador.

O poema é confuso
mas tem o rosto da história brasileira:
               tisnado de sol
               cavado de aflições
e no fundo do olhar, no mais fundo,
       detrás de todo o amargor,
               guarda um lampejo –
               um diamante
               duro como um homem
e é isso que obriga o exército a se manter de prontidão.”

Roda Viva com Ferreira Gullar:



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