quarta-feira, 7 de agosto de 2019

FAVELA GÓTICA - Fabio Shiva



SHIVA, Fábio. Favela Gótica. Rio de Janeiro: Verlidelas Editora, 2019, 276p.

     Necessariamente não é uma resenha, mas um apanhado de impressões que o livro despertou. Favela Gótica não pertence ao gênero das minhas preferências, no entanto, comprei-o por um, posso dizer, feliz acaso, ao tomar conhecimento do seu lançamento, por cujo autor tenho grande admiração. Comprei o livro e, de imediato, dispus-me a lê-lo. Como costumo fazer, passei de relance os olhos numa primeira leitura dinâmica. Encantei-me desde a primeira página (a epígrafe) pelo estilo que prendeu a minha atenção, fazendo-me querer de fato conhecer a trama de toda a história. Daí fiz uma primeira leitura mais aprofundada, e depois mais outra, e mais outra, passando então a pesquisar o que era estranho para mim.


     Fábio Shiva, como leitor, tem o dom de despertar o desejo para a leitura dos livros aos quais ele faz resenhas, tornando-os  atraentes e convidativos. Como escritor, ele tem o dom de atrair os leitores para suas próprias obras, devido às características do seu estilo, que, no caso, mesmo abordando o lado degradado do ser humano, o faz de maneira muito humana. Que paradoxo! Em Favela Gótica encontramos poesia (incrível!) ao lado do horror! Seus personagens são os anti-heróis, que retratam a miséria do submundo do crime, sem artifícios, mas com a emoção que o tema permite. Há frases que caracterizam uma filosofia de sobrevivência, tipo: “A fome nunca existe no futuro ou no passado, somente no eterno agora” (p.13). “Lar de multidões de solitários ... destituídos de qualquer laço de identidade ...”  “Ser normal é só a maneira mais ordinária de ser monstruoso” (p. 14). O sumário, a princípio, de difícil entendimento, mostra o conteúdo dividido em duas intrigantes partes: 1ª – Das trevas (per asper); 2ª – Para a luz (ad astra), enriquecidos ou enfatizados pelo uso das mesmas expressões em latim. Cada capítulo, distinguido pelo título, traz uma ilustração referente ao seu teor, além de uma espécie de introito ao mesmo, seguido de algum contundente dito de algum famoso, como Mark Twain (1º capítulo), Oscar Wilde (3º), Platão (4º), Sócrates (5º capítulo) e tantos outros encimando os 10 capítulos em que a história é montada.


     Muito interessante também é a presença dos “Registros Akáshicos”, que permeiam toda a história, no intuito de dar maiores informações ao próprio desenvolvimento de todo o enredo. Nestes registros aparecem histórias paralelas entrecortando a história principal, os quais, numa leitura também paralela, porém, sequenciada, pode-se perceber seus liames com a temática. Em um desses enigmáticos registros, destaquei o lirismo contido no meio do horror: “ ... o poder de devastação da droga é revelado em toda a sua horripilante exuberância. Como também a frágil obstinação da carne, persistindo no engano da vida, mesmo quando maltratada além de toda esperança” (p. 21).


     A história tem o foco em Liana, descrevendo sua degradante vida, cercada por outros personagens de um mesmo cenário criminoso, mas contada com tanta expressividade, que acaba levando o leitor (no caso, eu) a torcer e até a amar Liana, desejando que ela consiga sair ilesa dos tentáculos dos males que lhe perseguem. Felizmente, e para alívio dos que captam a chama da vida (ah, ela possui vida, apesar dos pesares), a história termina bem, ainda bem! A trama é incrível, já foi dito. E o que muito impressiona é a apresentação dos povoadores de toda a história. O autor lança mão de recursos estilísticos da antiguidade clássica, criando personagens mitológicos, que poderiam estar nos contos de Homero, quando os compara a figuras antropomórficas, tais como: “ ... um sapo velhinho e encarquilhado” (p. 53), “ ... um sagui baixinho e gorducho” (p. 62), “ ... uma ratazana gorda e nariguda” (p. 76), outras, como uma freira de lindos chifres de cabra, ou outras freiras que parecem hienas, cobras, aranhas, etc. (p. 163). Sua história esbanja metáforas de alto nível literário, quando apresenta homens e mulheres como: jacarés, lobos, múmias, fantasmas, etc. e até um Monstro Elemental, cujo registro akáshico o apresenta como alguma entidade da natureza, banida pelas circunstâncias da atualidade. “O progresso científico e tecnológico, entretanto, erigiu novos altares sobre as ruínas dos velhos templos, e os luminosos seres que zelavam pelo bom funcionamento dos ciclos naturais, foram gradualmente sendo esquecidos, degradados, vilipendiados” (p. 106).  Algumas figuras evocam heróis de escritores famosos, como Quasie, uma freira monstruosa de aparência, porém doce e protetora de Liana, tal qual o Quasímodo, com a sua Esmeralda, no “O Corcunda de Notre Dame”, de Vitor Hugo. Além de encontrarmos seres alienígenas vivendo disfarçada e livremente entre os mortais (p. 193 e outras).  Um outro personagem, que no final torna-se tão importante ao clímax da história, o Mandrá, passa quase despercebido nos relatos anteriores onde aparece, até o momento em que ele mesmo se revela como peça importante no desenlace finalmente revelado no capítulo 10. Enfim, é uma história incrivelmente bem elaborada e interessante, que arrasta o leitor até seu final com o mesmo brilho, mesmo nos momentos mais macabros.

Neuza de Brito Carneiro
Feira de Santana, 06 de agosto de 2019.



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