terça-feira, 17 de agosto de 2021

MEUS POEMAS PREFERIDOS – Manuel Bandeira

 


Manuel Bandeira sempre foi o “poeta diante da morte”. Ninguém melhor que o próprio Bandeira para explicar essa história:

“Quando caí doente em 1904, fiquei certo de morrer dentro de pouco tempo: a tuberculose era ainda o ‘mal que não perdoa’. Mas fui vivendo, morre-não-morre, e em 1914 o Dr. Bodmer, médico-chefe do sanatório de Clavadel, tendo-lhe eu perguntado quantos anos de vida me restariam, respondeu-me sorrindo: ‘O Sr. tem lesões teoricamente incompatíveis com a vida; no entanto está sem bacilos, come bem, dorme bem, não apresenta, em suma, nenhum sintoma alarmante. Pode viver cinco, dez, quinze anos... Quem poderá dizer?...’

Continuei esperando a morte para qualquer momento, vivendo sempre como que provisoriamente.”

E não é que nessa de “esperar a morte para qualquer momento”, o poeta acabou chegando aos 80 anos em 1966, data que muito apropriadamente resolveu celebrar lançando uma seleção de seus poemas favoritos. E ele começa logo de cara com “Desencanto”, que também é meu poema predileto de Manuel Bandeira:

“Eu faço versos como quem chora

De desalento... de desencanto...

Fecha o meu livro, se por agora

Não tens motivo nenhum de pranto.

 

Meu verso é sangue. Volúpia ardente...

Tristeza esparsa... remorso vão...

Dói-me nas veias. Amargo e quente,

Cai, gota a gota, do coração.

 

E nestes versos de angústia rouca

Assim dos lábios a vida corre,

Deixando um acre sabor na boca.

 

- Eu faço versos como quem morre.

 

Esses versos são belíssimos sob quaisquer circunstâncias, mas quando sabemos dessa peculiaridade da “vida provisória” de Manuel Bandeira, o poema ganha ainda mais força.

Outro poema igualmente marcante e visceral é “O Bicho”, que uma vez lido, jamais será esquecido:

“Vi ontem um bicho

Na imundície do pátio

Catando comida entre os detritos.

 

Quando achava alguma coisa,

Não examinava nem cheirava:

Engolia com voracidade.

 

O bicho não era um cão,

Não era um gato,

Não era um rato.

 

O bicho, meu Deus, era um homem.

 

Nessa minha seleção de poemas preferidos entre os preferidos de Manuel Bandeira, destaco ainda “Arte de Amar”:

“Se queres sentir a felicidade de amar, esquece a tua alma.

A alma é que estraga o amor.

Só em Deus ela pode encontrar satisfação.

Não noutra alma.

Só em Deus — ou fora do mundo.

As almas são incomunicáveis.

 

Deixa o teu corpo entender-se com outro corpo.

 

Porque os corpos se entendem, mas as almas não.

 

Outro poema de Bandeira que amo é “Os Sapos”, que virou uma espécie de hino modernista contra a escravidão empolada do parnasianismo, que privilegiava a forma em detrimento do conteúdo. Como é um poema mais extenso, a princípio eu me contentaria apenas em citá-lo, mas não resisto a reproduzir aqui a primeira metade:

“Enfunando os papos,

Saem da penumbra,

Aos pulos, os sapos.

A luz os deslumbra.

 

Em ronco que aterra,

Berra o sapo-boi:

- ‘Meu pai foi à guerra!’

- ‘Não foi!’ – ‘Foi!’ – ‘Não foi!’.

 

O sapo-tanoeiro,

Parnasiano aguado,

Diz: - ‘Meu cancioneiro

É bem martelado.

 

Vede como primo

Em comer os hiatos!

Que arte! E nunca rimo

Os termos cognatos.

 

O meu verso é bom

Frumento sem joio.

Faço rimas com

Consoantes de apoio.

 

Vai por cinquenta anos

Que lhes dei a norma:

Reduzi sem danos

A fôrmas a forma.

 

Clame a saparia

Em críticas céticas:

Não há mais poesia,

Mas há artes poéticas...’”

 

Notem que a genialidade desse poema está em ironizar o apego vazio dos parnasianos à rima e a métrica, justamente através de versos que são irretocáveis do ponto de vista da métrica e da rima! A motivação de qualquer poeta para escrever em versos brancos (sem rima) e/ou livres (sem métrica) deveria ser, de fato, um desejo irreprimível por liberdade. E não, como infelizmente acontece amiúde, pela incapacidade de se expressar poeticamente de outra forma. Por isso é que segui e recomendo o conselho de Mário Quintana, outro avatar de nossa Poesia, que sugere que todo poeta treine primeiro escrever sonetos clássicos, antes de se aventurar a fazer poemas sem rima ou métrica, que pode até não parecer, mas são muito mais difíceis.

Voltando a essa preciosa seleção dos poemas preferidos de Manuel Bandeira, e também ao tema da morte, senti falta de “Pneumotórax”, outro de meus favoritos dele:

“Febre, hemoptise, dispneia e suores noturnos.

A vida inteira que podia ter sido e que não foi.

Tosse, tosse, tosse.

 

Mandou chamar o médico:

 

— Diga trinta e três.

— Trinta e três… trinta e três… trinta e três…

— Respire.

 

……………………………………………………………………….

 

— O senhor tem uma escavação no pulmão esquerdo e o pulmão direito infiltrado.

— Então, doutor, não é possível tentar o pneumotórax?

— Não.

 

A única coisa a fazer é tocar um tango argentino.”


A edição que li, que acabo de descobrir que foi possivelmente a primeira edição, traz ao final da biografia do poeta a desconcertante informação:

“Reside presentemente na Avenida Beira Mar, 406, apartamento 806, Rio de Janeiro.”

Deu vontade de inventar uma máquina do tempo só para bater à porta do poeta e pedir que autografe o meu exemplar...



\\\***///


 

Imagine um jogo que ensina as crianças a rimar e fazer Poesia!

Disponível gratuitamente no link abaixo:

https://www.recantodasletras.com.br/e-livros/6446934

 

O jogo POESIA DE BOTÃO faz parte do projeto selecionado pelo Edital Arte Todo Dia – Ano IV, da Fundação Gregório de Mattos (Prefeitura de Salvador), com apoio de Athelier PHNX, Verlidelas Editora, Caligo Editora, Suporte Informática e AG1. O propósito do jogo é convidar as crianças a vivenciar o universo da Poesia de forma lúdica e atrativa, como uma “brincadeira de montar versos”. POESIA DE BOTÃO é especialmente indicado para crianças já alfabetizadas, mas nada impede que adultos possam brincar também e se beneficiar com o jogo.

https://youtu.be/UUm0XQfaslM


 


 

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