quinta-feira, 9 de janeiro de 2025

LER SOBRE O NAZISMO SUECO ME AJUDOU A ENTENDER O NAZISMO BRASILEIRO

 


Resenha do livro OS HOMENS QUE NÃO AMAVAM AS MULHERES, de Stieg Larsson

Quis encerrar as leituras do ano passado com algum entretenimento leve e relaxante. Que eu tenha escolhido para tal fim esse calhamaço de mistério e assassinato será bem compreendido por aqueles que, como eu, amam mergulhar em um bom romance policial. Já comentei em outra resenha que considero um livro de Agatha Christie, por exemplo, tão repousante quanto um banho quente ou uma bela xícara de chá.

E “Os Homens Que Não Amavam as Mulheres”, primeiro volume da série Millenium, fenômeno mundial de vendas, cumpriu admiravelmente bem esse propósito. A leitura capturou a minha atenção a tal ponto que devorei as mais de quinhentas páginas em pouco mais de uma semana. Trata-se de um romance de mistério que evoca Agatha Christie em vários momentos, a começar pela árvore genealógica da família Vanger, que abre o livro, tal como a bela “lista de suspeitos” que aparece em várias histórias de Agatha. A natureza do mistério a ser investigado, um desaparecimento (e possível homicídio) ocorrido décadas antes, também evoca alguns clássicos de Agatha Christie, como “Os Cinco Porquinhos” e “Os Elefantes Não Esquecem”.

Contudo há bem mais elementos no livro de Stieg Larssen, com reviravoltas que envolvem assassinatos em série, tramoias financeiras e (como o título da resenha já deixou transparecer) nazistas na Suécia. Em meio a tanto assunto, a resolução do mistério em si (o famoso “whodunit”), deixou um pouco a desejar, mas o livro apresenta outras qualidades que compensam amplamente essa pequena frustração.

Fiquei surpreso ao saber que Stieg Larssen sofreu um ataque cardíaco fulminante aos 50 anos, antes da publicação dos livros da série que o tornou famoso e admirado no mundo todo. E mais surpreso ainda fiquei ao ler que em seu trabalho jornalístico Larssen se empenhou em denunciar e combater o neonazismo na Suécia. De certo modo, então, o protagonista do livro, Mikael Blomkvist, é uma espécie de alter ego do próprio Larssen.

E aqui chegamos ao que de fato marcou essa minha leitura de “Os Homens Que Não Amavam as Mulheres”, uma reflexão que vai além da história contada no livro. Ler sobre os nazistas suecos inevitavelmente me fez pensar sobre como o nazismo vem crescendo no mundo todo e até, infelizmente, no Brasil. Há uns dez anos atrás eu teria considerado impossível o que hoje admito como triste realidade: atualmente há muitas pessoas abraçando essa nefasta e insensata doutrina.

Antes, toda vez que eu via alguma notícia sobre nazistas brasileiros, minha primeira reação era de considerar ridículo que um povo fundamentalmente mestiço se identificasse com essas noções preconceituosas de superioridade da raça branca sobre as demais. E aí veio o grande ganho que tive com a leitura desse livro: percebi que, no fundo, eu inconscientemente considerava os nazistas americanos, nórdicos etc. como menos “ridículos” que os brasileiros, justamente por fundamentarem o seu preconceito em sua etnia caucasiana. O valioso insight que essa leitura me proporcionou foi perceber que um nazista sueco é tão “ridículo” quanto um brasileiro, uma vez que o nazismo, no fundo, não tem nada a ver com superioridade de uma raça sobre outras, mas simplesmente sobre o ódio e o ressentimento. São esses sentimentos nocivos que, devidamente fermentados pela manipulação da propaganda nazista, possibilitam a pessoas emocionalmente perturbadas se sentirem superiores a outras que, muito provavelmente, lhes provocam sentimentos (inconscientes e sufocados) de inferioridade.


Sempre me chamou a atenção o fato de que nenhum dos cabeças do nazismo alemão era um protótipo da propalada superioridade ariana. Tanto que há vários cartuns da época da guerra satirizando essa contradição: “O genuíno ariano deve ser loiro como Hitler, magro como Göring, alto e belo como Goebbels”. Isso demonstra como o nazismo é uma fantasia que nada tem a ver com características físicas (reais ou imaginárias). É o desejo de se sentir superior a quem se odeia (ou se teme). Assim, um nazista sueco é tão iludido e delirante quanto um nazista brasileiro. Só que o nazi brazuca consegue fazer uma figura ainda mais triste e patética...

Para não terminar o texto nessa nota melancólica, procurei imaginar como agiria uma pessoa que de fato fosse superior às demais. Não foi preciso nenhum esforço de imaginação: bastou lembrar dos exemplos de Gandhi e Madre Teresa de Calcutá (e, aqui no Brasil, de Irmã Dulce e Chico Xavier)... O fato de que esses quatro nomes que citei até os dias de hoje sofrem ataques de ódio e inveja, ao meu ver, também ajuda muito a explicar esse tenebroso fenômeno do nazismo em nossa atualidade.



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FABIO SHIVA é músico, escritor e produtor cultural. Autor de “Favela Gótica” (https://www.verlidelas.com/product-page/favela-g%C3%B3tica), “Diário de um Imago” (https://www.amazon.com.br/dp/B07Z5CBTQ3) e “O Sincronicídio” (https://www.amazon.com.br/Sincronic%C3%ADdio-sexo-morte-revela%C3%A7%C3%B5es-transcendentais-ebook/dp/B09L69CN1J/). Coautor e roteirista de “ANUNNAKI - Mensageiros do Vento” (https://youtu.be/bBkdLzya3B4).

 

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