sábado, 18 de julho de 2020

O CONTO DA AIA – Margaret Atwood



Por uma triste sincronicidade, terminei de ler “O Conto da Aia” na mesma semana em que o monumento a Mãe Gilda de Ogum, aqui em Itapuã, sofreu mais um vandalismo. O agressor, ao ser preso, disse que estava “cumprindo a vontade de Deus”. A leitura da apavorante narrativa de Margaret Atwood e a não menos apavorante notícia da depredação do monumento a Mãe Gilda sinalizam igualmente como boa parte do que chamamos de “religião”, na verdade, dedica-se prioritariamente a oprimir a mulher.

A história de Mãe Gilda é incomodamente simbólica. Ialorixá do Axé Abassá de Ogum, em Itapuã, teve seu terreiro invadido por membros da Assembleia de Deus, que a atacaram verbal e fisicamente, golpeando sua cabeça com uma Bíblia (!!!). Mãe Gilda ficou tão abalada que adoeceu. Meses depois, viu sua foto estampada no jornal da Igreja Universal, com a manchete: “macumbeiros charlatões lesam a vida e o bolso de clientes”. Teve um ataque cardíaco fulminante. Por conta disso, o dia de sua morte, 21 de janeiro, foi decretado como Dia de Combate à Intolerância Religiosa, com a inauguração do monumento no Abaeté.

Por incrível que pareça, a depredação dessa semana não foi a primeira: em 2018 o monumento sofreu violência semelhante. Esses ataques à efígie de bronze conseguem causar ainda mais perplexidade que as agressões praticadas contra a mulher de carne e osso. Serão realmente humanos esses corações que abrigam tanto ódio em nome de Deus? É evidente que as pessoas que cometeram esses desatinos devem sofrer de algum tipo de transtorno mental. Contudo cabe a pergunta: como é que pode haver religiões onde essas pessoas envenenadas pelo ódio se sentem em casa? Como é possível colocar o ódio em um altar e convencer alguém de que se está adorando a Deus?


É por isso que “O Conto da Aia” é tão assustador. O livro trata em sua essência de como um Estado totalitário pode se valer do patriotismo e da religião para justificar que as pessoas sejam privadas de seus direitos. Escrito em 1985 e vencedor de vários prêmios, o livro voltou a ser destaque em anos recentes, com a escalada de tipos como Trump e Bolsonaro ao poder. Pois o jogo que eles praticam é bem semelhante aos horrores descritos no livro: utilizar a xenofobia e a intolerância religiosa como forma de manipulação.

Contudo não se iluda quem queira considerar Bolsonaro, Trump e afins como monstros enganadores de pobres inocentes bem-intencionados. Eles não teriam poder algum se não encontrassem a conivência e cumplicidade daqueles que buscam na religião uma justificativa para se sentirem melhores que os outros e, pior ainda, para negarem aos outros o direito de pensar de forma diferente.

Ao descrever cenas brutais que podem muito bem acontecer em um futuro próximo se não fizermos nada a respeito, Margaret Atwood nos ameaça com o dom da profecia. E enquanto houver pessoas que se consideram cristãs apoiando seres como Bolsonaro e Trump, não podemos com segurança considerar “O Conto da Aia” como apenas uma horripilante ficção.


“Se acontecer de você ser homem, em qualquer tempo no futuro, e tiver chegado até aqui, por favor lembre-se: você nunca será submetido à tentação de sentir que tem de perdoar um homem como uma mulher.”
Margaret Atwood, “O Conto da Aia”




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FAVELA GÓTICA liberado na íntegra no site da Verlidelas Editora:

Durante esse período de pandemia, em meio a tantas incertezas, temos uma única garantia: a de que nada será como antes. Estamos todos tendo a oportunidade preciosa de participar ativamente na reconstrução de um mundo novo, mais luminoso e solidário.

O livro Favela Gótica fala justamente sobre “a monstruosidade essencial do cotidiano”, em uma história cheia de suspense, fantasia e aventura. Ao nos tornamos mais conscientes das sombras que existem em nossa sociedade, seremos mais capazes, assim como a protagonista Liana, de trilhar um caminho coletivo das Trevas para a Luz.

A versão física de Favela Gótica está à venda no site da Verlidelas, mas – na tentativa de proporcionar entretenimento a todos durante a quarentena – o autor e a editora estão disponibilizando gratuitamente, inclusive para download, o PDF de todo o livro.

Fique à vontade para repassar o arquivo para amigos e parentes.

Leia ou baixe todo o livro no link abaixo:

Link do livro no SKOOB:

Book trailer



Entrevista sobre o livro na FM Cultura




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