quarta-feira, 17 de agosto de 2022

My Way - A Periferia de Moicano


 
Valo Velho é região de Itapecerica da Serra, ao lado de Capão Redondo, Zona Sul de São Paulo. 

O nome chama a atenção, a princípio não dá ideia de coisa boa. Um valo, vala que seja, lembra entulho, água parada, desova de cadáveres. Velho, pior ainda.
 
Valo Velho é a alcunha de um punk das antigas. Normal para um punk, normal para a galera que adota apelidos tais quais podrera, bafão, sucata, mosca, dentre outros.

Más interpretações à primeira vista, tão comuns, as precipitações, os pré-conceitos vários que todos nós carregamos em maior ou menor medida.

"My Way - A Periferia de Moicano" foi editado originalmente em 2019 pela Selo Povo, do icônico ativista/escritor/empreendedor Ferréz.

Valo Velho, o autor e protagonista, discorre sobre experiências vividas, muitas delas imerso e interagindo com sociedades de outros países.
Escreve com sensibilidade e emoção.
 
Não se engane pela aparência suja e ensandecida, pelo som caótico e barulhento de uma típica e tradicional banda punk.
 
 
No livro o que há é percepção e profundidade, também uma clara frustração quanto aos rumos tortuosos da contemporaneidade.
 
A respeito do espanto causado nas pessoas da época mediante o visual agressivo e diferente das vestimentas dos punks:

"Isso me faz sentir como um Deus, um palhaço politizado, espontâneo e virtual em quem não existia intenção de provocar risos, mas, se ele vinha de uma criança, meu coração também sorria, e o dia mudava de cor".

My Way, de Valo Velho, não é mais um de tantos outros livros escritos com quase a totalidade de coloquialismos, gírias e estórias escalafobéticas quase inacreditáveis encharcadas de muito álcool e drogas ilícitas.
 
Trocadilhos e expressões são adaptáveis ao mundo de Valo Velho. E ele o faz com erudição. Shakespeare, em Hamlet, ao se referir ao príncipe da Dinamarca cravou "Há mais coisas entre o céu e a terra do que se pode imaginar sua vã filosofia”.

Valo Velho, a respeito da origem escandinava de bandas punk hardcore crava o seu próprio trocadilho:

"Tem muito mais cheiro de bacalhau podre na Dinamarca do que sonha sua vã filosofia". Maior postura punk impossível.
 
 
O livro My Way é uma análise significativa de contextos socioculturais e políticos, comportamentais. O que, de longe, é bastante coisa.
 
Sobre o enfoque social presente nos EUA:
 
"O que resulta da supressão dos antagonismos dos imigrantes no interior de um movimento que propaga a liberdade de ir e vir e o direito ao trabalho, moradia, expressão e educação?".

Assim foi, e é, a vida de Valo Velho. Uma vida de um jovem punk de periferia nos anos 1980 em São Paulo, lá o gérmen do deturpado e intenso movimento punk nacional.

Agressividade, rebeldia, contestação sobretudo:

"Mas para nós, aquilo não era agressivo. Alguns punks mais acostumados a rotinas de escritório, imprensa, laboratório ou modelos fotográficos se lamentavam por causa da 'carnificina'; pra nós ali envolvidos, estávamos nos divertindo e sendo camaradas celebrando em ode física ao nosso vigor de trabalhadores".
 
 
Em My Way, Valo Velho não se limita às superficialidades, está atento, evita escatologias, descreve sua história tal qual um sociólogo apurado:

"O mundo inteiro lavava informações, o próprio punk na mídia era uma informação lavada. Era marginal quando saía das periferias, e era artístico quando saía das faculdades".

Vale muito a leitura. Recomendável para ampliar perspectivas, horizontes, quebrar paradigmas e, mais do que tudo, lançar ao lixo, com ímpeto e mesmo uma boa dose de raiva punk, toda e qualquer nesga de pré-conceito conservador imbecil.
 
(Para quem quiser conhecer mais estórias da história do underground nacional, dentre os colaboradores deste site, abaixo as obras "Diário de um Imago - Contos e Causos de uma Banda Underground" de Fabio Shiva e Hoctaedrom de Rogério Puerta, este gratuito).
 
Hoctaedrom - A Banda Genocídio e algumas estórias heavy metal
 
 
 
Saudações, resistentes leitores/as!

 

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