O AVANÇO TECNOLÓGICO NÃO É BOM NEM RUIM, MUITO PELO
CONTRÁRIO
Resenha do livro “NEUROMANCER” de William Gibson
Creio ter lido esse livro pela primeira vez há muitos anos, provavelmente sem saber de sua relevância para a cultura pop, como uma das obras mais importantes do chamado cyberpunk e que teve influência direta na concepção do icônico filme “Matrix” (https://youtu.be/2KnZac176Hs). Curiosamente, só fui atinar que já havia lido o livro antes ao experimentar uma sensação de déjà vu (tudo a ver com “Matrix”) ao ler sobre a carismática personagem Molly, a ciborgue “samurai de rua” que possui vários implementos tecnológicos em seu corpo, tais como as afiadas navalhas embutidas em suas unhas. Molly possui também olhos artificiais, que trazem o luxo de um display que exibe permanentemente as horas.
Ao ler esse trecho, minha imaginação foi atiçada, mas logo em seguida me peguei pensando: “Mas por que alguém iria desejar enxergar um relógio digital o tempo todo?” E foi essa estranheza que me fez experimentar o déjà vu, o que me fez perceber que eu já havia lido esse livro antes, mesmo sem guardar dessa leitura anterior a menor recordação (a não ser justamente o estranhamento causado pelo display do relógio embutido na visão).
Menciono essa curiosidade porque um dos temas centrais de “Neuromancer” (e, por extensão, de todo o movimento cyberpunk) é justamente o uso que o homem faz da tecnologia que avança cada vez mais rapidamente. A premissa do cyberpunk é que a alta tecnologia acarreta uma baixa qualidade de vida. O cenário de “Neuromancer” é um sombrio futuro próximo, onde as inovações tecnológicas apenas intensificam e aceleram a destruição da natureza, a exploração do homem pelo homem, as desigualdades e injustiças sociais.
Esse é mesmo um tema fascinante e extremamente relevante. A melhor ficção científica, como qualquer boa literatura, é aquela que nos faz enxergar de modo mais profundo a nós mesmos e ao mundo em que vivemos. Daí o impacto da série de filmes “Matrix” (especialmente o primeiro): para além de todos os vertiginosos efeitos especiais, há uma história essencial, que fala diretamente ao coração, sobre a jornada humana no planeta e até mesmo sobre o sentido da própria vida.
Uma das medidas da importância de “Neuromancer” é perceber a quantidade de referências que legou a “Matrix”, começando por esse título, que no livro se refere ao ciberespaço onde se aventura Case, o hacker cowboy que é o protagonista da história, e passando pela cidade de Zion, que tanto no livro quanto no filme é um espaço-símbolo da resistência humana diante de um avanço tecnológico desumanizante.
Contudo “Neuromancer” dialoga direta ou indiretamente com muitas outras obras igualmente marcantes de nosso inconsciente cultural coletivo. Dentro do universo criado pelo autor William Gibson, há a referência a “Johnny Mnemonic” (https://youtu.be/Uwl5MBzTCRQ), história transformada em um filme também estrelado por Keanu Reeves (astro de “Matrix”) e que se passa no futurístico ano de 2021 (o filme é de 1995).
A estética dessas três histórias (“Neuromancer”, “Johnny Mnemonic” e “Matrix”) evoca o igualmente emblemático filme “Blade Runner” (https://youtu.be/eogpIG53Cis), que por sua vez foi inspirado em “Andróides Sonham Com Carneiros Elétricos?”, uma história do gênio louco da ficção científica, Philip K. Dick. Aliás essa história, publicada em 1968, pode muito bem ser considerada a mãe e a musa inspiradora do cyberpunk, que teve seu apogeu em meados da década de 1980. O próprio “Neuromancer” foi publicado em 1984, data que nos faz imediatamente lembrar da obra-prima de George Orwell, que por sua vez pode ser considerada a mãe e a musa de todas as distopias.
Deixei para mencionar no final, entretanto, a referência que achei mais marcante nessa leitura de “Neuromancer”. Se abstrairmos todos os elementos futuristas, típicos de uma história de ficção científica, em minha opinião estaremos diante de uma clássica história policial noir, que me evocou particularmente o estilo de Raymond Chandler (autor de celebradas obras como “Adeus, Minha Querida”, “O Longo Adeus” e “O Sono Eterno”). Perceber essa trama noir subjacente à história cyberpunk me fez agradecer mais uma vez o sábio conselho de Pablo Picasso: “Imitar os outros é necessário. Imitar a si mesmo é que é ridículo.”
\\\***///
FABIO SHIVA é músico, escritor e produtor cultural. Autor de “Favela Gótica” (https://www.verlidelas.com/product-page/favela-g%C3%B3tica), “Diário de um Imago” (https://www.amazon.com.br/dp/B07Z5CBTQ3) e “O Sincronicídio” (https://www.amazon.com.br/Sincronic%C3%ADdio-sexo-morte-revela%C3%A7%C3%B5es-transcendentais-ebook/dp/B09L69CN1J/). Coautor e roteirista de “ANUNNAKI - Mensageiros do Vento” (https://youtu.be/bBkdLzya3B4).
Facebook: https://www.facebook.com/sincronicidio
Instagram: https://www.instagram.com/prosaepoesiadefabioshiva/
Conheça o novo livro
de Fabio Shiva, MEDITAÇÃO PARA CRIANÇAS:
https://www.verlidelas.com/product-page/medita%C3%A7%C3%A3o-para-crian%C3%A7as
O avanço tem tanto de bom como de mau.... Por vezes era preferível que não houvesse!
ResponderExcluir-
Vestida de emoções, sem preconceito
Beijos. Votos de uma excelente semana.