quinta-feira, 1 de setembro de 2022

Varneci Nascimento apresenta Paulo Freire, um Educador Diferente

Lu Vieira, educadora e cordelista, em sua apresentação deste livro, crava com precisão sobre Varneci Nascimento: [...] Com narrativa melodiosa, característica do gênero literário Cordel [...] Sinto-me realizada em ler o pensamento Freireano de forma tão assertiva.

 

Cordelize-se, fortaleça-se, aperfeiçoe-se, ilumine-se. Sem neologismos, nem precisa, "cordelizar" cabe perfeitamente bem ao dia a dia, um novo poetizar. 

Esta partícula "-se" essencial, o "-se" de "faça-se".

 

Caráter forte e dotado de armaduras protetoras no cotidiano de conflitos existenciais, e também daqueles outros conflitos bem mais materiais

O duro e cru embate das ruas, periferias e dos rincões Brasil afora

 

Cordelize-se e se proteja. Cordelize-se: belo mote propagado e defendido por Varneci Nascimento em sua labuta diária desigual, desproporcional, frente ao magnetismo inapelável dos telefones celulares. 

Que seja, leia cordéis pelo telefone celular, em letras enormes e distribuíveis ao longo de sua tela em posição horizontal.

 

 

Saque do bolso, do coldre imaginário que seja, saque de seu bolso um bom e conveniente cordel, tire-o de seu bolso e o exponha a todo o mundo, tal qual uma arma, tal qual fariam alguns sujeitos mais afoitos e intoxicados por ódio

Estes sacariam de suas armas pesadas em metal, um perigo, seja para defesa, seja para ataque. Faça melhor, saque de seu bolso um belo e conveniente cordel para a sua melhor autodefesa.

Ou para o ataque, quando assim convier, quando assim imperioso for, necessário para a legítima defesa, sobrevivência.

 

Tão gratificante nos depararmos com nossa língua portuguesa adotando e adaptando palavras. Cordelista, belíssimo, tal qual poeta, cronista, romancista.

Freireano igualmente belíssimo, aquilo ou aqueles e aquelas que espelhem o pensamento vanguardista e intelectual, porém pragmático, de Paulo Freire.

 

Neste cordel de Varneci Nascimento, o autor se consubstancia em pensamentos freireanos, ou, como queiram, psicografa, talvez sim, a luz e a inspiração do educador-mor, revela-o às próximas gerações dispostas ao combate inapelável frente a ignorância, ao analfabetismo, o pessimismo e a cegueira de novos horizontes à vista, horizontes bem mais fortalecedores.

 

Em bela poesia, Paulo Freire se faz presente, conta a sua história:

 

[...] Paulo Reglus Neves Freire / É meu nome de batismo. / Venho de tempos difíceis, / Sou um filho do heroísmo / De singelos genitores, / Praticantes do altruísmo.

 

[...] Papai deixava bem claro: / “Vocês devem estudar, / Caso queiram ter amparo.” 

 

Preservar, valorizar, compreender, vivenciar na prática a fundamental passagem histórica de nossa cultura. 

 

Em setembro de 2021 relembramos os 100 anos de nascimento do intelectual pernambucano Paulo Freire, que se imiscuiu ao povo analfabeto dos rincões e sequer aparentava o peso e o garbo de seu refinamento cultural às populações assistidas por seu inovador e revolucionário método de alfabetização.

 

[...] Visando só minorar / O sofrimento do aflito. [...] Se acaso meu corpo físico / Hoje ocupasse o cenário / Em nosso planeta Terra / Num salão comunitário, / Teria comemorado, / Meu profícuo centenário.

 

Saque de seu bolso, de seu coldre de revólver imaginário que seja, saque um belo cordel e defenda-se. Ataque quando conveniente. Ao defenestrarem Paulo Freire, leia um cordel.

 


Ao deparar-se com injustiças sociais gritantes e indignantes, saque de um belo cordel de Varneci Nascimento:

 

[...] Nas mesas dos milionários / Sobram lautas refeições, / Enquanto que o essencial / Falta à mesa de milhões! / A renda mal dividida/ Afeta as populações.

 

Dizem que a bela arte é aquela em que se interpretam as entrelinhas. Nada mais comprobatório quando tal bela arte seja um poema, a linguagem poética mais versada em tais refinamentos sucintos, condensados, um universo em poucos versos. Poema, portanto cordel.

 

Seria pois um cordel, uma imensidão de horizontes em pouco papel barato dependurado em barbantes na rua, seria pois um cordel, o mestre popular das entrelinhas. 

 

Mais acessível, popular, barato, barato mesmo, em papel e edição módica, afirme-se, por que não? Passou na rua, viu dependurado em barbante, levou, pôs no bolso, o sacará quando confrontado em embates absurdos e desarrazoados do dia a dia.

 

Belas são as entrelinhas de Varneci Nascimento:

 

[...] Somente aos dezesseis anos / Retornei para os estudos. / Vendo os colegas com onze, / Mais novos, menos sisudos, / A timidez tomou conta / Por me ver entre os miúdos.

 

Imagens geradas em modo automático, as entrelinhas, imagine-se. Você em primeiro dia de escola, ginásio, você um garoto estranho sujeito às piadas e provocações dos mais velhos

 

As pueris turmas mais novas ficaram para trás, agora são as classes repletas de estudantes, formam um hostil campo de embates, uma disputa dente os homenzinhos que querem se fazer o quanto antes, mostrarem-se os mais fortes e mais dotados de usufrutos dos recentes e inéditos novos hormônios em ebulição no sangue jovem e intempestivo.

 

[...] Aprendi a ler novinho / Ajudado por meus pais / Na sombra fresca das árvores, / Nas aulas especiais. / Bebendo nas ricas fontes / Matei as sedes vitais. [...] O chão se fez Quadro Negro, / O giz foram os gravetos; [...] 

 

Aprenda História por meio de bons cordéis. Por muito tempo foram e ainda são estes o jornal noticioso informativo e crítico da sociedade nordestina atenta:

 

[...] Passei a ser perseguido / Comparado ao malfeitor. / Devido apontar caminho / Seguro e libertador / Fui declarado inimigo / Do governo ditador.

 

Varneci Nascimento demonstra coragem ao falar as verdades necessárias. Algo que Paulo Freire, mais do que certamente, também faria caso vivo em carne e osso ainda estivesse.

Não está em matéria. Felizmente seu espírito prevalece e segue inspirador.

 

[...] Estes fascistas horrendos / Dizem que só atrapalho. / Mas esse tipo selvagem / Não passará do borralho, / Em pouco tempo serão / Cartas fora do baralho.

 

Triste, lamentável, notarmos que os fascistas de ontem, os que perseguiram Paulo Freire, transfiguraram-se, fizeram prole e são hoje os neofascistas do século XXI.

 

Varneci Nascimento domina o léxico. O que dizer de um "dorido" em lugar de "dolorido"? Palavra bela, válida e desconhecida pela maioria de nós:

 

[...] No tristonho dois de maio / Chegou a dorida vez [...]

 

Ou então um "estro", espetacular significado, palavra mais do que conveniente para a arte em questão:

 

[...] Pelo seu estro poético / Ficou imortalizado [...]

 

Leia-se, estro, uma fúria poética, entusiasmo, inspiração, riqueza de imaginação. Mais belo impossível! E o belo e agradável segue:

 

[...] Quero somente pedir / Para adocicar o fel: / Procure inserir nas aulas / O vigoroso cordel.

 

Em outra passagem de seu livro, Varneci Nascimento sempre dando voz ao intelecto destilado e ágil de Paulo Freire, faz o reconhecimento de mais um dos patrimônios bastante presentes em boa parte dos rincões brasileiros.

 

Ágrafo, uma palavra pouco conhecida.

Apócrifo, esta mais comum, que em geral retrata algo não oficialmente reconhecido ou mesmo falso, uma lenda ou mito, ou algo assim.

 

Porém a palavra ágrafo citada por Varneci, vinda da mente refinada porém pragmática de Freire, tem por significado aquilo que não está escrito, bem descrito, ou que não tem escrita. 

Um exemplo seriam as oralidades inúmeras que perpassaram a história dos povos pré-colombianos em nosso atual território. 

 

Os contos, estórias e oralidades, os que sobraram resilientes, os poucos que não foram destruídos e vilipendiados pelos invasores europeus, ditos colonizadores

 

São os contos remanescentes, oralizados, os registros de cultura imemorial, portanto, jamais esquecidos ou desvalorizados, muito bem reconhecidos por alguém do porte e valor de um Paulo Freire.

 

E é o próprio Paulo Freire, em energia colossal, que reconhece em Varneci Nascimento:

 

[...] Agradeço ao cordelista / Por este entrelaçamento. / Agora é seguir na luta, / Sarau, escola e evento: / Compartilhando saberes / Só visando crescimento.

 

Liberte-se, defenda-se. Cordelize-se!

 

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