Por Elenilson Nascimento
Entre 1964 e 1985, o Brasil viveu sob uma ditadura vergonhosa. As liberdades democráticas foram suprimidas e toda oposição ao regime militar era reprimida com violência. Os agentes da repressão, militares, políticos, polícias e até a Igreja Católica não tinham limites em nome da “segurança nacional”, onde tudo era permitido. Hoje, as pessoas podem relembrar um pouco desse período tenebroso através da versão trash da novela “Amor & Revolução”, exibido pelo SBT, que só vale pelos depoimentos no final de cada capítulo e também pela trilha sonora.
Contudo, o livro “Batismo de Sangue - Os Dominicanos e a Morte de Carlos Marighella”, escrito pelo Frei Betto, é uma leitura recomendadíssima, em especial aos educadores (*professores de História bitolados somente nas suas apostilas e livros encomendados), líderes comunitários e religiosos e a todas as pessoas formadoras de opinião. O livro chegou à sua 14ª edição acrescido de informações novas e relevantes. Frei Betto, o autor deste documento histórico, compartilha suas descobertas recentes sobre as circunstâncias da morte do baiano Carlos Marighella, líder da Ação Libertadora Nacional (ALN) assassinado em 1969.
A retrospectiva feita pelo Frei Betto remonta um dos períodos mais vergonhosos da história brasileira e serve para avaliar os “avanços” e “retrocessos” (*ou ausência de mudanças pode ser constatado em várias unidades carcerárias do Brasil onde a tortura é ainda realidade infame e desumana) dos direitos humanos no nosso país. “A liberdade não é um valor reconhecido pela oligarquia brasileira”. (p.18)
O livro começa com os militares tomando o poder no Brasil em março de 1964, mesmo inicialmente anunciando “eleições diretas” para o ano seguinte. Entretanto, divergências internas levaram ao prolongamento da ditadura. Enquanto a oposição se organizava na ilegalidade, a sociedade se mobilizava e a esquerda radical preparava-se para a luta armada. Frei Betto tem o cuidado de descrever Marighella não como um esquerdista autoritário e sim como um revolucionário, mas a militância de Marighella incomodava o governo, o que o leva várias vezes á prisão, confinado até em Fernando de Noronha.
Consta também que neste presídio foi estabelecida, pelos próprios prisioneiros, uma divisão igualitária de tarefas, independente do peso político que o indivíduo tivesse fora da prisão. Criaram uma Universidade Popular e ensinavam uns aos outros filosofia, história, matemática. Marighella deu até aulas de filosofia. Na clandestinidade, de 1949 a 1954, em São Paulo, Marighella atuou na área sindical do seu partido, mas incomodava a direção partidária, pois era considerado excessivamente esquerdista. Sua atuação aproximou o partido da classe operária e juntos promoveram uma greve geral, conhecida como a "Greve dos Cem Mil", em 1953. Também participou da campanha "O petróleo é nosso". Ainda em 1953, foi à China e à União Soviética, retornando em 1954. “A resistência humana tem limites nem sempre conhecidos. Ao encarnar em sua vida os ideais pelos quais lutava Marighella conseguiu que o limite de sua resistência chegasse à fronteira em que a morte recebe o sacrifício como um dom”. (p.27).
O livro também descreve o ano de 1968, onde os militares impuseram o decreto AI-5 que dava plenos poderes ao presidente. Foi o período máximo da censura. Milhares de artistas e estudantes na época fizeram manifestações contra a censura em favor da liberdade de expressão. Ainda assim, a repressão e a tortura intimidavam a população. Os grupos de resistência foram quase disseminados. Em 1969 a oposição se enfraqueceu mediante o governo opressor do General Médici e o estranho, porém, real "avanço econômico".
Em 1970 até a Copa do Mundo foi utilizada para a propaganda oficial (*você pode conferir isso no filme “O Ano em que Meus Pais Saíram de Férias”). Nesse período já havia televisão em cerca de 40% das casas brasileiras, mas a crise internacional do petróleo de 1973 comprometeu a economia brasileira. Em 1975 alguns jornais já estavam livres da censura, embora o governo perseguisse violentamente alguns grupos da imprensa (muitos desapareceram e jamais tiveram seus corpos encontrados). “Estranho universo o da consciência humana! Esse mesmo pai de família atribulado por trair a esposa era um torturador notório que se comprazia em enfiar um tubo de borracha na vagina de presas políticas”. (p. 128)
O modo poético característico da escrita de Frei Betto é apenas um dos componentes que colocaram essa obra entre os clássicos das leituras sociológicas, políticas e religiosas que deveriam ser obrigatórias no Brasil. Essa resenha que eu li (5ª edição) é baseada na edição histórica de 1982 que sucedeu várias outras edições, mas, infelizmente, não inclui a revisão e ampliação feitas pelo autor baseada no filme homônimo lançado em 2007, dirigido por Helvécio Ratton, e que você pode baixá-lo logo abaixo.
O resultado final dessa coletânea de memórias do Frei Betto, porém, está muito longe de um resuminho mórbido. O relato é de uma beleza ímpar e homenageia com distinção, todos os personagens que sofreram durante o regime militar. Para isso o autor serve-se de certos personagens que ocuparam maior destaque na imprensa da época entre eles: o já citado Marighella, o idealista Frei Tito de Alencar (*acho que me apaixonei por ele!), vários outros jovens frades dominicanos e “anônimos” que participaram ativamente do cenário brasileiro no auge da ditadura. (“BATISMO DE SANGUE – OS DOMINICANOS E A MORTE DE CARLOS MARIGHELLA” de Frei Betto, política, 283 págs., 5ª edição, Civilização Brasileira -1983).+ Clique aqui e leia a resenha completa e também baixe o filme dirigido por Helvécio Ratton, com Caio Blat, Daniel de Oliveira e o estreante Odilon Esteves no elenco.
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Ótima resenha, com respeitáveis análises acerca do livro, que sem dúvidas, é um dos marcos na nossa identidade social, isto é, imprescindível no contexto histórico brasileiro.
ResponderExcluirum livro que marcou minha adolescência e moldou meus valores e visão de mundo!
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