sábado, 2 de julho de 2011

Carta ao Pai - Franz Kafka



Em novembro de 1919, aos 36 anos, Franz Kafka escreve ao pai para, a princípio, queixar-se da forma como este recebeu seu noivado. A longa carta, com mais de cem páginas, nunca chegou às mãos do destinatário, e ao fim de sua leitura o que se tem é um relato vivo e profundo de uma conturbada relação familiar.

Na carta, Kafka expõe toda a mágoa em relação ao pai, um homem opressor e autoritário. “Da tua poltrona, tu regias o mundo”, escreve o filho. Das páginas da carta vai surgindo uma relação feita de opressão, medo, silêncio e recriminação. Triste imaginar uma criança crescendo assustada, tornando-se um adulto traumatizado e sem autoestima. Nota-se que Kafka não deposita toda a culpa (palavra que aparece mais de uma vez, sempre assim, sublinhada) dos seus infortúnios dos ombros do pai. Reconhece que, mesmo sem sua influência, teria se tornado um homem tímido e reservado, já que essa era a sua natureza. Mas a covardia, a indecisão perante a vida, a autodepreciação excessiva, estas foram moldadas através dos anos de jugo paterno. Vê-se, em algumas passagens, que o filho nutria respeito e admiração pelo pai, mas sabia que jamais poderia se comparar a ele, em matéria de força de espírito ou física: “Eu magro, fraco, franzino, tu forte, grande, possante. Já na cabine eu me sentia miserável, na realidade não apenas diante de ti, mas diante do mundo inteiro, pois para mim tu eras a medida de todas as coisas”.

A figura do pai influenciou a conduta de Kafka em vários aspectos de sua vida: sua relação com o judaísmo, sua ânsia (e ao mesmo tempo, aversão) pelo casamento e, principalmente, sua carreira literária. Palavras usadas durante a carta, como veredicto, juiz, inseto daninho (expressão que o pai usava quando queria menosprezar alguém), remetem às duas mais famosas obras do escritor: O Processo e A Metamorfose. O próprio Kafka deixa a questão bem explícita, quando confessa: “Minha atividade de escritor tratava de ti, nela eu apenas me queixava daquilo que não podia me queixar junto ao teu peito”.

Uma leitura tocante que complementa a leitura da obra do escritor.


Um comentário:

  1. Acho que nunca li nada do Kafka... acho que é hora de ler algum... (:
    BJão e obrigada por passar no A Lua =^.^=

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