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terça-feira, 1 de julho de 2014

O menino do pijama listrado - John Boyne


Bruno tem 09 anos e poucas preocupações na vida, além da baixa estatura para a idade e a chatice da irmã mais velha, Gretel, mais conhecida como Caso Perdido. Tem 03 amigos inseparáveis e apesar da austeridade do pai, vive feliz com sua família em Berlim.

Um dia, porém, recebe uma noticia que o deixa abalado. Toda a família terá que se mudar para outra cidade por conta do trabalho do pai, que parece ser muito importante, mas ele nem mesmo sabe ao certo o que é. A situação fica pior quando ele percebe que não há previsão de volta, a casa nova é menor do que a outra e não há crianças por perto para brincar. Bem, crianças existem, como ele logo descobre, mas não podem chegar perto dele, pois ficam separadas por uma gigantesca cerca, que cobre uma extensão a perder de vista, juntamente com outras pessoas, todas com uma peculiar e intrigante característica: todos usam pijamas listrados. Inclusive Shmuel, um menino que Bruno encontra num dia de profundo tédio, em que resolve explorar o local. Bruno fica feliz, por finalmente ter alguém para conversar. Pena que não podem brincar, pois Shmuel vive do outro lado da cerca e não tem permissão para sair, nem Bruno para entrar.

É desta forma singela que a história é contada. Como dito no título original, O menino do pijama listrado é uma pequena fábula sobre o Holocausto, visto pelos olhos ingênuos de uma criança. Tudo o que lemos é o que Bruno, na sua mente infantil, consegue discernir da estranha situação atual.  Até mesmo o nome do campo de concentração (conhecido para nós) não é mencionado no livro, pois Bruno não consegue pronunciar o nome correto, portanto para ele (e para o leitor) será sempre Haja-Vista (confesso que demorei um pouco para fazer a associação).

Bruno e Shmuel tem a mesma idade e outras afinidades, mas estão separados pela cerca (e por tudo o que ela significa). Até onde pode ir essa improvável amizade?

O menino do pijama listrado é uma história triste, não pelo que lemos, mas pelo que sabemos da realidade.  Triste pelo que existe nas entrelinhas, que não é mostrado, mas adivinhado. Uma pequena e tocante história.

sábado, 2 de novembro de 2013

CARTAS A THEO


Seleção das cartas de Vincent Van Gogh a seu irmão Theodore.

Ao falecer, em 27 de julho de 1890, Vincent Van Gogh deixou um grandioso legado: um conjunto de centenas de quadros, desenhos e estudos, que mostraram ao mundo uma parte de sua genial, melancólica e perturbada natureza. Mas além de suas obras de arte, Van Gogh deixou também outra possibilidade de o conhecermos: suas próprias palavras. Durante sua vida, Van Gogh se correspondeu assiduamente com seu irmão mais novo, Theo, a quem era muito ligado. Praticamente uma autobiografia, o conjunto das cartas de Vincent é uma janela para a alma e mente desse grande artista que dedicou a vida, a saúde física e mental à arte.

Pelas cartas, vamos acompanhando seus projetos: as tentativas de ser missionário, professor, o primeiro emprego na Casa Goupil, a galeria de arte do tio, mais tarde administrada pelo irmão Theo, até a decisão por dedicar-se apenas à arte, afinal. Através da Casa Goupil, conhece Paris. Mas a capital francesa não o agrada. Após algumas andanças, é no interior da França que ele se fixará, na cidade de Arles, onde se apaixonará pelos campos de trigo, pelo grande sol amarelo, pela vida dos camponeses. 

Cúmplice de todas essas mudanças e descobertas, Theo foi figura importantíssima para que Vincent pudesse se dedicar à pintura, acreditando no talento do irmão, dando-lhe suporte financeiro e afetivo. O amor e dedicação de Theo foi sempre reconhecida por Vincent, que muitas vezes lamentava dar tanto trabalho ao irmão.

“Agora sinto que meus quadros não são suficientemente bons para compensar as vantagens que aproveitei através de ti. Mas acredite-me, se um dia eles forem suficientemente bons, você terá sido também seu criador, tanto quanto eu, porque nós os estamos fazendo juntos”.

É empolgante acompanhar pelas cartas a criação de algumas das obras-primas do artista: "Os Comedores de Batatas" (“apliquei-me conscientemente em dar a ideia de que estas pessoa que, sob o candeeiro, comem suas batatas com as mãos, que levam ao prato, também lavraram a terra, e que meu quadro exalta, portanto, o trabalho manual e o alimento que eles próprios ganharam tão honestamente”), "A Noite Estrelada", a série dos girassóis, criada para decorar a casa e o quarto do amigo Paul Gauguin, que irá instalar-se na casa e cuja chegada é aguardada ansiosamente por Van Gogh. Uma ideia recorrente do artista era criar um ateliê coletivo, uma espécie de cooperativa entre artistas, onde eles trabalhariam e apoiariam-se mutuamente. É um tanto doloroso acompanhar essa espera, pois já sabia que a estadia de Gauguin iria terminar de forma trágica: o famoso episódio em que Van Gogh, num acesso de loucura, corta a própria orelha. Nesta edição encontra-se a versão da história contada por Gauguin. 

A própria loucura é comentada calmamente nas Cartas: “É preciso que eu me resigne, é bem verdade que um monte de pintores ficam loucos, é uma vida que leva a ficar muito abstraído, para dizer o mínimo. Se eu me lanço em cheio no trabalho, muito bem, mas continuo a ser louco”. 

Vincent não agüentou mais o fardo da própria existência e resolveu abreviá-la. Durante sua vida, Vincent Van Gogh vendeu apenas um quadro. Em 1990, um século após sua morte, "O Retrato do Dr. Gachet" foi vendido por 82,5 milhões de dólares, o maior valor dado por uma obra até então. Mudaram as obras? Ou mudaram os olhos de quem as viam? Afinal, o que é uma obra-prima? Não sei a resposta para estas perguntas. Fiquei extremamente emocionada com a leitura dessas cartas. Van Gogh ganhou, para mim, uma outra dimensão. Só me resta agradecer. A Vincent, pelo amor à arte. E a Theo, pelo amor à Vincent.


(Transcrição de resenha publicada no Orkut em 11.12.2011)

quinta-feira, 7 de junho de 2012

O HOMEM QUE VIA O TREM PASSAR - Georges Simenon




Alguma vez você já sentiu vontade de sumir do mapa? De largar emprego, família, normas e convenções e simplesmente sair sem destino certo? Pois isso é justamente o que fez Kees Popinga, um “homem que via o trem passar” e que, um belo dia, embarcou nele. Literalmente.

Aos quarenta anos, Kees Popinga é um respeitável cidadão holandês. Dono de uma das melhores casas do bairro, conquistada através de anos de dedicado trabalho, é um homem dedicado à esposa e filhos.  Além do trabalho e da família, não tem muitas distrações: é um exímio jogador de xadrez e fuma charutos. Nunca se permitiu nenhuma atitude que poderia ser considerada inapropriada a um homem consciente de seus deveres. Sua outra pequena distração é observar e fantasiar os trens que passam, especialmente os noturnos, “que partem com as cortinas baixadas sobre o mistérios dos passageiros”. Quem são e para onde vão essas pessoas?

Uma noite irá mudar completamente sua existência. Seu patrão forja a própria morte para fugir do escândalo da falência, não sem antes revelar essa verdade a Popinga, que vê toda sua rotina prestes a ser alterada, afinal, ficará sem emprego, sem estabilidade financeira. E é assim que ele toma sua decisão. Também irá embora, pegando o trem para Paris. E assim começa sua aventura. Kees Popinga, que “sempre viu a vida como um pobre miserável que cola o nariz à vidraça de uma confeitaria e vê as pessoas comerem bolo”, decide fugir a qualquer regra ou convenção. Acabará se envolvendo num crime, será perseguido, conhecerá pessoas totalmente diferentes de sua pacata convivência.

O homem que via o trem passar é um romance intrigante, assim como seu personagem. Quem afinal é Kees Popinga? Insano? Ou tão normal quanto qualquer cidadão? Será essa nossa existência cheia de regras, uma coisa realmente normal? Reproduzo um trecho da apresentação do escritor João Paulo Cuenca, no começo do livro: “Ao contar a história da dissolução de um homem que ‘há quinze anos representava o papel de um bom holandês, seguro de si e da própria honorabilidade, da própria virtude e da primeira qualidade de tudo o que possuía’, Simenon cava fundo em tudo o que é humano, no trágico e no cômico da existência de cada um de nós, na ideia que fazemos de quem somos, na ideia que fazemos do mundo em que vivemos, e do que acreditamos que possuímos”.

Quem embarcar na viagem dessa leitura, certamente não irá se arrepender.

segunda-feira, 30 de abril de 2012

BELLISSIMA - Nora Roberts





Miranda Jones é perita de arte e dirige com o irmão o Instituto de Arte da Nova Inglaterra, no Maine, instituição renomada criada por seus pais, com quem Miranda tem um relacionamento muito difícil. Sua mãe é fria e o pai ausente; a própria Miranda acostumou-se a ficar longe das emoções e ser uma profissional extremamente racional. Isso até se envolver em uma aventura cheia de perigos e mortes, envolvendo uma obra de arte: o bronze Fiesole, conhecido como A Senhora Sombria, estatueta inspirada na amante de um dos Médici, família poderosa de Florença. É a essa cidade que ela é chamada pela mãe para trabalhar com o bronze, no trabalho de autenticação e datação da peça. Miranda é especialista no Renascentismo italiano e tem fortes suspeitas de quem seja o criador da obra. O que poderia ser um salto na sua carreira, revela-se uma decepção: supostamente Miranda faz uma avaliação equivocada e é posta de lado pela mãe enfurecida. Enquanto isso, surge Ryan Boldari, charmoso ladrão de arte e dono de galeria nas horas vagas (!) que tem planos escusos em relação ao instituto de Miranda e acaba se envolvendo nessa intriga. Ryan é absurdamente lindo, charmoso e sexy (como só se vê naqueles romances de banca), e logo de cara, dá em cima da gélida dra. Jones que, obviamente, não resistirá muito tempo.

O que me chateou um pouco nessa história são os clichês. Como já mencionei, lembra os romances Sabrina e Julia (lembram deles?). Ri com a descrição física de Ryan, dono de uma beleza selvagem e sombria. O que ele é? Um morcego? Também não ajuda muito a linguagem meio pobrinha, cheios de “tá” (Ela “tá”, eu “tô”...) Talvez a escritora (ou a tradução) tenha preferido transcrever uma linguagem mais coloquial, mas não sei, não. Ah, sim, também tem altas doses de cenas tórridas. Esse Ryan é cheio de qualidades, mesmo.

Foi o primeiro livro que li desta autora. Não chegou a ser ruim, mas também não acrescentou muito. Mesmo no quesito diversão, coisa que respeito em uma história (um livro não precisa mudar nossa vida), a trama deixa a desejar. Gostei do pano de fundo (o mundo da arte) e no final, vai ficando um pouco mais eletrizante, quando vamos chegando perto de descobrir quem planejou essa intriga.

No mais, foi um passatempo. Só poderia ter sido um passatempo melhor.

sexta-feira, 6 de abril de 2012

NOITES BRANCAS - Fiódor Dostoiévski


Noite branca é um fenômeno que acontece em determinadas épocas do ano, em regiões próximas aos polos, em que o sol não chega a se por totalmente, criando uma espécie de crepúsculo permanente.

E é durante quatro noites brancas que essa história se desenrola. Enquanto perambula pela cidade de São Petersburgo, um jovem sonhador depara-se com uma bela jovem chorando junto ao cais. Para sua mente romântica, essa é uma imagem que o perturba muitíssimo e ele resolve, contrariando sua natureza extremamente tímida, abordar a moça para oferecer ajuda. A jovem chamada Nastienhka aceita sua companhia, e eles conversam como se fossem velhos amigos; marcam um encontro para a noite seguinte, ocasião em que a jovem irá lhe contar o motivo de sua tristeza.

Esse livro foi escrito antes das obras principais de Dostoievski, como Crime e Castigo e Os Irmãos Karamazov, bem como antes de sua experiência na prisão. O escritor tinha sofrido uma grande desilusão amorosa e tinha contraído dívidas. É uma leitura diferente para quem já conhece um pouco do grande autor.

O personagem (que não sabemos o nome) é alguém tão sonhador e romântico que fico pensando se o autor espelhou-se em si próprio para criá-lo. Os menos românticos talvez achem uma leitura meio melosa. Mas o autor, sempre conhecedor da natureza humana, apenas nos mostra uma faceta que também é muito humana: a do sonho e das ilusões.




terça-feira, 3 de abril de 2012

TRAVESSURAS DA MENINA MÁ - Mario Vargas Llosa



O peruano Ricardo é uma pessoa sem muitas ambições na vida. Aliás, é dono apenas de uma: mudar-se para Paris e ali viver o resto da vida. E essa meta ele alcança bem cedo. Aos vinte e poucos anos, está na cidade dos seus sonhos, começando a ganhar a vida como intérprete. E é nessa cidade que, quando menos espera, reencontra o primeiro amor de sua vida. Aos quinze anos, ainda em Miraflores, na capital peruana, Ricardo teve sua primeira paixonite por Lily, menina cheia de encantos e mistérios que zombava de suas declarações de amor. Dez anos depois, Ricardo a reencontra em Paris, com outro nome, como uma dos jovens latinos a caminho de Cuba, depois da ascensão de Fidel Castro, para treinamento militar no intuito de também fazer a “revolução” no Peru. Ricardo desconfia que Arlete (o nome atual da moça) não tenha tantos arroubos ideológicos, como poderia supor-se de uma aspirante a guerrilheira. Aliás, essa a grande característica dessa instigante menina: o mistério. Quem é ela de verdade? Ricardo só sabe de uma coisa: está apaixonado pela menina, mais uma vez. Ela aceita o amor de Ricardo sem demonstrações de afeto, rindo de suas declarações de amor. “Quantas breguices, Ricardito!”. E um belo dia, some de novo de sua vida. Para reaparecer outra vez. Assim, a trama do livro vai passando, assim como os anos, e essa mulher vai ressurgindo na vida de Ricardo, sempre com outro nome, outra vida e a mesma necessidade: ter dinheiro, roupas bonitas, tudo o que o bom menino Ricardo nunca poderia lhe oferecer. O que afinal ela sente por Ricardo? Qual é a verdadeira face da menina má? Ou como diz a contracapa do livro, qual é a verdadeira face do amor?

Gostei demais desse livro. E fiquei apaixonada pelo Ricardo, ou Ricardito, ou simplesmente, bom menino, como é chamado pela menina má. Em relação a esta, fiquei quase sempre morrendo de raiva dela...rsss... uma personagem misteriosa e exasperante, cheia de segredos e subterfúgios, arrasando com o coração do pobre e bom menino. Vargas Llosa a descreve tão bem, com aquele jeitinho faceiro, que é daquelas personagens que ficam na memória. A história dos dois nos faz refletir sobre o que é o amor, o destino (será que existe mesmo?), sobre as escolhas que a gente faz na vida, ou que a vida faz pela gente. Gostei também do contexto histórico: Paris nos anos 60, Londres nos 70, a situação política do Peru... e outros personagens interessantes que, de certa forma, servem de elo entre Ricardo e sua amada. Em suma: uma leitura deliciosa, como as breguices do Ricardito.

quinta-feira, 15 de setembro de 2011

NINGUÉM ESCREVE AO CORONEL - Gabriel Garcia Marquez


Esta trama curtinha, mais semelhante a um conto, trata na verdade de um único momento. Mas é um momento que se prolonga há anos, um momento de espera por parte do personagem.

O que o coronel espera? Uma carta. Algo tão comum, mas que no contexto da vida dessas pessoas tem uma dimensão gigantesca.

O que poderá conter nessa carta? A tão esperada ordem de pagamento de pensão, a aposentadoria a qual o coronel, embora há décadas afastado do serviço, ainda não recebeu. O coronel e sua esposa vivem em situação de extrema penúria e esse dinheiro é ansiosamente aguardado.

E assim, o coronel espera. A cada sexta-feira, o dia em que chega o barco do correio, o coronel espera. Mas é uma espera que se revela a cada semana, inútil, pois o título do livro já adianta a resposta que ele recebe do administrador do correio. E o coronel volta para casa, resignado, onde sua esposa asmática lhe servirá (nem sempre) o parco almoço extraído, como por milagre, das minguantes economias do casal, o que sobrou do dinheiro do filho alfaiate, morto pela polícia por distribuir panfletos “clandestinos”. Do filho do casal também sobrou o galo de briga, que o coronel cuida para poder ganhar dinheiro nas rinhas. Mas ainda levará alguns meses para isso acontecer e, até lá, o galo também precisa comer. O que fazer? O coronel, apesar de tudo, ainda tem esperança. Sua mulher, bem mais prática e realista, pergunta-se como irão sobreviver.

Me senti muito tocada pela situação desses personagens. Ainda não tinha lido nada de Gabriel Garcia Marquez. Este livro é anterior ao famoso Cem Anos de Solidão, que também ainda espero ler. Uma história tocante sobre pobreza, velhice, e principalmente esperança que, embora não encha a barriga, sempre alimenta a alma.

sábado, 3 de setembro de 2011

O Colar de Veludo - Alexandre Dumas


Conhecido mundialmente por seus romances cheios de aventuras e conspirações, Alexandre Dumas dá um tempo nas histórias de capa-e-espada para criar esta pequena aventura romântica e misteriosa.

Em uma pequena cidade alemã, um jovem artista apaixona-se perdidamente pela filha de um velho músico, a bela e angelical Antonia. Aceito como pupilo de mestre Murr, Hoffman vê-se duplamente feliz: a bela Antonia também apaixona-se por ele e o romance dos dois é bem aceito pelo severo e amoroso pai da moçoila. Fim de história? Claro que não, afinal, não é na pacata cidade de Mannheim que nossa trama irá realmente se desenvolver, mas sim na bela, fervilhante e, no momento histórico da trama, sangrenta Paris dos anos da Revolução Francesa (1789-1799).

Embora enamorado de Antonia, a quem jura amor eterno e casamento, Hoffman tinha um plano em mente: conhecer a cidade das artes. Seu grande amigo Werner já está lá e Hoffman só não foi com ele pois, exatamente no dia da viagem, seus olhos fitaram Antonia e o plano ficou esquecido. Portanto, fica acertado que ele irá a Paris antes do casamento.

A chegada a Paris será mais difícil do que Hoffman supunha. O ano é 1793 e as mortes na guilhotina são comuns, principalmente para os que possam ser considerados inimigos da revolução.

Mas é na Ópera de Paris, que aventura de Hoffman irá começar. É lá que ele conhece a bela e sedutora bailarina Arsène, cujo adereço frequente é um colar de veludo. E entre o extremo fascínio provocado por Arsène e a promessa de fidelidade a Antonia, Hoffman se vê envolvido em um situação cheia de incertezas e mistérios. Conseguirá o amor romântico ser mais forte do que o desejo?

Além de ser uma história deliciosa de ler, O Colar de Veludo também é interessante pelo pano de fundo histórico. Aqui e ali, o autor faz algumas veladas críticas ao que, aparentemente, ele considera excessos da época, em algumas frases cheias de fina ironia:

" - Vamos, cocheiro - gritou o médico.
Em seguida, despediu-se da multidão.
- Viva o doutor! - gritou a multidão.
Quando a multidão está sob o domínio de uma paixão, ela sempre precisa gritar 'viva alguém' ou 'morra alguém'. "

Nesta edição da L&PM, há um posfácio em que o escritor presta uma homenagem a um amigo, o também escritor francês Charles Nodier. Uma narrativa cheia de afeto e com um dado interessante, que complementa a leitura de O Colar de Veludo.


sábado, 16 de julho de 2011

O ESPANTALHO - Michael Connelly



EDITORA OBJETIVA - SELO SUMA POLICIAL

Recém demitido do Los Angeles Times, jornal onde trabalhou durante anos, Jack McEvoy, experiente repórter criminal, recebe uma incumbência de seu editor. Ele tem mais duas semanas de trabalho para treinar a repórter que irá substituí-lo, uma novata chamada Angela Cook. Mas Jack tem outros planos: elaborar o seu “dane-se”: uma saída em alto estilo, com uma grande reportagem que faça seu nome ser lembrado pelo jornal.

Alonso Winslow é um jovem traficante de 16 anos, preso por um crime bárbaro: estupro e assassinato de uma stripper viciada em drogas. McEvoy escrevera uma pequena matéria sobre o caso, com a visão da polícia, que divulgou a confissão do criminoso. O repórter decide usar o caso de Winslow para criar uma matéria diferente: criar um perfil do assassino, tentando mostrar quais os caminhos que levam um garoto a virar um assassino (embora minta para a mãe do menino, dizendo que acredita na inocência do menino e quer tentar provar). Assim, ele e Angela Cook, a nova repórter, começam uma investigação que se revelará mais complexa do que se pensava. Winslow, na verdade, nunca confessou o crime e um outro assassinato de modo muito semelhante ocorreu em outra cidade, na mesma época. Assim, McEvoy percebe que pode estar com uma mina de ouro nas mãos, uma reportagem investigativa que irá causar grande sensação. O que Jack e Angela nem desconfiam é que o verdadeiro assassino está à espreita de cada passo dos dois, escondendo-se não em becos ou lugares sombrios, mas na gigantesca teia da internet.

O Espantalho é uma boa trama policial, com um pano de fundo muito atual: as maravilhas e perigos da internet. Aliás, os que torcem o nariz para o avanço cada vez maior de seus poderes, talvez encontrem no livro alguns motivos para sua bronca com a tecnologia. É justamente por causa do avanço das informações online que o futuro do jornal impresso é preocupante; Jack é mais uma vítima da redução de gastos pelos quais esses gigantes da informação tiveram que passar. Aliás, é sempre com certa melancolia que o repórter analisa sua vida profissional, ao ver que pertence a um mundo em extinção. Outro alerta da trama é que a internet também pode ser um campo vasto para indivíduos perturbados poderem dar vazão a suas bizarrices. Cuidado com o que você posta em uma rede social, parece alertar o autor.

Jack McEvoy é um personagem que já apareceu em outro livro do escritor (Veredicto de Chumbo), mas se no livro anterior ele era um personagem secundário, neste ele tem o papel principal. Cínico, cético e vivendo para sua profissão, McEvoy é um personagem interessante. Outra personagem importante na trama é a agente federal Rachel Walling, que ajudará McEvoy na empreitada, ainda que meio a contragosto, pois ambos tiveram uma relação mal resolvida no passado.

Entre perseguições físicas ou digitais, O Espantalho faz a gente lembrar que, mesmo em uma época em que parece sabermos tudo sobre tudo, algo ainda nos confunde e abala: o mistério da mente humana: um lugar muitas vezes impenetrável e sombrio.



sábado, 2 de julho de 2011

As Memórias do Livro - Geraldine Brooks


“No lugar onde se queimam livros, no fim se queimam homens" - Heinrich Heine

Uma restauradora de livros é despertada na madrugada por uma notícia: A Hagadá de Saravejo foi encontrada, um lendário e valiosíssimo livro (e que existe realmente), desaparecido há alguns anos.

A palavra hagadá tem raiz hebraica (hgd=contar, dizer) e é usada para nomear um tipo de livro usado por famílias judaicas na celebração da Páscoa e que narra a história do Êxodo. Mas alguns fatos fazem dessa hagadá um manuscrito tão importante: sua idade (foi feita possivelmente no século XIV), as ricas ilustrações, e o fato dela ter sobrevivido a tantas perseguições aos judeus, bem como a seus livros, conseguindo escapar da Inquisição, do Nazismo e da Guerra da Bósnia, eventos que levaram à destruição inúmeros livros (e pessoas). Muitas perguntas envolvem o livro: quem fez as ilustrações? E por que, tendo em vista que contraria os costumes dos judeus da época, que consideravam imagens uma violação aos mandamentos? Ou seja, a própria existência delas já gera questionamento. Como a Hagadá foi salva da fogueira da Inquisição, conforme inscrição feita por um padre católico responsável pela “triagem” dos livros? Com estas questões em mente, a escritora Geraldine Brooks traça uma história envolvente, usando muita imaginação e pesquisa para responder, pelo menos na ficção, a essas dúvidas que envolvem esse artefato.

O ano de partida da história é 1996, com a cidade de Saravejo ainda exibindo as marcas da guerra recém terminada. É pra lá que se encaminha Hanna Heath, especialista em conservação de livros, escolhida pela ONU para trabalhar com o manuscrito. De detalhes encontrados pela personagem, como uma mancha avermelhada, restos de uma asa de inseto, a autora vai voltando no tempo, criando um mosaico de pessoas, situações, dramas pessoais, conflitos religiosos, que, de uma forma ou de outra, envolvem o livro.

Achei algumas passagens muito emocionantes. Triste como, desde sempre, existiu quem destrua e escravize, por diferenças de credo, cor ou opinião. Mas, felizmente, também existiram os que, por amor à arte e ao ser humano, fizeram a diferença, como o bibliotecário muçulmano que arriscou a própria pele para salvar uma obra judaica, fato real, que inspirou um dos personagens. Curiosamente, os conflitos que achei um pouco mais maçantes foram os da própria Hanna, bem como o envolvimento amoroso um tanto forçado. No mais, achei uma obra interessante e creio que agrada quem ama livros, não apenas seu conteúdo, mas sua existência física, mesmo. Uma experiência cultural e sensorial que a tecnologia digital não substitui. Ainda.

Carta ao Pai - Franz Kafka



Em novembro de 1919, aos 36 anos, Franz Kafka escreve ao pai para, a princípio, queixar-se da forma como este recebeu seu noivado. A longa carta, com mais de cem páginas, nunca chegou às mãos do destinatário, e ao fim de sua leitura o que se tem é um relato vivo e profundo de uma conturbada relação familiar.

Na carta, Kafka expõe toda a mágoa em relação ao pai, um homem opressor e autoritário. “Da tua poltrona, tu regias o mundo”, escreve o filho. Das páginas da carta vai surgindo uma relação feita de opressão, medo, silêncio e recriminação. Triste imaginar uma criança crescendo assustada, tornando-se um adulto traumatizado e sem autoestima. Nota-se que Kafka não deposita toda a culpa (palavra que aparece mais de uma vez, sempre assim, sublinhada) dos seus infortúnios dos ombros do pai. Reconhece que, mesmo sem sua influência, teria se tornado um homem tímido e reservado, já que essa era a sua natureza. Mas a covardia, a indecisão perante a vida, a autodepreciação excessiva, estas foram moldadas através dos anos de jugo paterno. Vê-se, em algumas passagens, que o filho nutria respeito e admiração pelo pai, mas sabia que jamais poderia se comparar a ele, em matéria de força de espírito ou física: “Eu magro, fraco, franzino, tu forte, grande, possante. Já na cabine eu me sentia miserável, na realidade não apenas diante de ti, mas diante do mundo inteiro, pois para mim tu eras a medida de todas as coisas”.

A figura do pai influenciou a conduta de Kafka em vários aspectos de sua vida: sua relação com o judaísmo, sua ânsia (e ao mesmo tempo, aversão) pelo casamento e, principalmente, sua carreira literária. Palavras usadas durante a carta, como veredicto, juiz, inseto daninho (expressão que o pai usava quando queria menosprezar alguém), remetem às duas mais famosas obras do escritor: O Processo e A Metamorfose. O próprio Kafka deixa a questão bem explícita, quando confessa: “Minha atividade de escritor tratava de ti, nela eu apenas me queixava daquilo que não podia me queixar junto ao teu peito”.

Uma leitura tocante que complementa a leitura da obra do escritor.


domingo, 19 de junho de 2011

Recordações da Casa dos Mortos - Fiódor Dostoiévski


O escritor russo Fiódor Dostoiévski viveu uma terrível experiência pessoal que muito influenciou sua obra. Em 1849 o escritor, juntamente com outros intelectuais, foi preso por participar de um grupo considerado subversivo pelo czar Nicolau I. Preso, foi condenado ao fuzilamento. Na última hora, a notícia: o czar decidiu ser mais “benevolente” e a pena foi transformada em exílio e trabalhos forçados na Sibéria, onde o escritor esteve preso por 4 anos. Da triste experiência, nasceu uma de suas grandes obras: Recordações da casa dos mortos.

O livro é narrado em 1ª pessoa pelo personagem Alieksandr Pietróvitch Gorjantchikov, nobre russo condenado a dez anos de prisão pelo assassinato da esposa. Pelos olhos do personagem, vamos acompanhando a trajetória de alguém privado de sua liberdade: os primeiros dias, suas impressões a respeito daquele mundo tão diferente do que ele estava acostumado, “um mundo regido por estatutos, disciplinas, horários específicos; uma casa para cadáveres vivos, uma vida à margem e homens de vivência muito outra”.

Através do personagem, o escritor narra uma situação que ele próprio deve ter enfrentado: embora condenado como qualquer outro dentro do presídio, Alieksandr não é tratado nunca como um igual. Por ser de origem nobre, é discriminado pelos que vieram do povo, que continuam vendo nele o patrão, o superior. Debocham de sua inépcia para trabalhos pesados, por seus modos educados, pelo chá que ele bebe na prisão. Essa sensação de isolamento é ainda mais angustiante para ele, embora, em alguns momentos, também seja benéfica. Logo no começo do livro, o personagem menciona que, quase pior do que estar privado da liberdade, é a convivência forçada com tantos estranhos o que mais lhe perturba. Promiscuidade é a palavra muito usada pelo personagem para exteriorar essa sensação.

Durante a narrativa, vão surgindo muitos personagens interessantes, que ganham a atenção de Alieksandr durante sua estadia no presídio. Suas histórias, o caráter de cada um, pequenos e grandes detalhes que são uma forma de Dostoievski esmiuçar a alma russa e humana, como um todo. Achei curioso que, embora se interesse muito pelos crimes que outros cometeram, por suas motivações, o crime de Alieksandr nunca é comentado por ele em suas recordações. Por sua índole tão tranquila, chega-se a imaginar se ele não estaria ali por engano, embora o motivo de sua condenação já nos tenha sido revelado logo no começo. Os diários de Alieksandr são encontrados, no começo da história, por outro personagem que o conheceu após o término de sua pena.

Outro fato que achei interessante é como o presídio se transforma em uma imitação da própria vida exterior, em suas relações de amizade e de poder. Relações de camaradagens, assim como grandes ódios, vão se formando; alguns presos usam de pequenas artimanhas para conseguir dinheiro e, com isso, poder comprar coisas: doces feitos na cidade, a vodca contrabandeada no presídio, tudo escondido da administração, claro. E os que não tem nenhum dinheiro tem de se resignar. Alieksandr fala da sensação que o preso experimenta por ter algumas moedas tilintando no bolso: é a sensação de ser um homem livre.

Não sei se a intenção do escritor era fazer alguma espécie de denúncia em relação ao sistema prisional russo (com seus trabalhos forçados e castigos físicos). Acredito que ele estava mais interessado em tratar de outra coisa, daquilo que nos torna tão diferentes de tantos tipos descritos no livro, mas também nos aproxima tanto: o mistério da alma humana. Uma grande obra de um grande escritor.


Sobre o escritor:

Fiódor Mikháilovitch Dostoiévski nasceu em Moscou em 11 de novembro de 1821 e morreu em São Petersburgo em 09 de fevereiro de 1881. Foi um dos mais importantes escritores russos, bem como da literatura mundial. Em seus livros, a natureza humana, em especial a do povo russo, com seus defeitos, qualidades e angústias foi sempre esmiuçada. Em 1866 publicou Crime e Castigo, um de seus livros mais conhecidos. Os Irmãos Karamazovi, considerada sua obra-prima, foi publicado em 1879. Sofria de epilepsia, cujo primeira manifestação ocorreu durante sua prisão. A doença o acompanharia por toda a vida.

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