domingo, 19 de junho de 2011

Recordações da Casa dos Mortos - Fiódor Dostoiévski


O escritor russo Fiódor Dostoiévski viveu uma terrível experiência pessoal que muito influenciou sua obra. Em 1849 o escritor, juntamente com outros intelectuais, foi preso por participar de um grupo considerado subversivo pelo czar Nicolau I. Preso, foi condenado ao fuzilamento. Na última hora, a notícia: o czar decidiu ser mais “benevolente” e a pena foi transformada em exílio e trabalhos forçados na Sibéria, onde o escritor esteve preso por 4 anos. Da triste experiência, nasceu uma de suas grandes obras: Recordações da casa dos mortos.

O livro é narrado em 1ª pessoa pelo personagem Alieksandr Pietróvitch Gorjantchikov, nobre russo condenado a dez anos de prisão pelo assassinato da esposa. Pelos olhos do personagem, vamos acompanhando a trajetória de alguém privado de sua liberdade: os primeiros dias, suas impressões a respeito daquele mundo tão diferente do que ele estava acostumado, “um mundo regido por estatutos, disciplinas, horários específicos; uma casa para cadáveres vivos, uma vida à margem e homens de vivência muito outra”.

Através do personagem, o escritor narra uma situação que ele próprio deve ter enfrentado: embora condenado como qualquer outro dentro do presídio, Alieksandr não é tratado nunca como um igual. Por ser de origem nobre, é discriminado pelos que vieram do povo, que continuam vendo nele o patrão, o superior. Debocham de sua inépcia para trabalhos pesados, por seus modos educados, pelo chá que ele bebe na prisão. Essa sensação de isolamento é ainda mais angustiante para ele, embora, em alguns momentos, também seja benéfica. Logo no começo do livro, o personagem menciona que, quase pior do que estar privado da liberdade, é a convivência forçada com tantos estranhos o que mais lhe perturba. Promiscuidade é a palavra muito usada pelo personagem para exteriorar essa sensação.

Durante a narrativa, vão surgindo muitos personagens interessantes, que ganham a atenção de Alieksandr durante sua estadia no presídio. Suas histórias, o caráter de cada um, pequenos e grandes detalhes que são uma forma de Dostoievski esmiuçar a alma russa e humana, como um todo. Achei curioso que, embora se interesse muito pelos crimes que outros cometeram, por suas motivações, o crime de Alieksandr nunca é comentado por ele em suas recordações. Por sua índole tão tranquila, chega-se a imaginar se ele não estaria ali por engano, embora o motivo de sua condenação já nos tenha sido revelado logo no começo. Os diários de Alieksandr são encontrados, no começo da história, por outro personagem que o conheceu após o término de sua pena.

Outro fato que achei interessante é como o presídio se transforma em uma imitação da própria vida exterior, em suas relações de amizade e de poder. Relações de camaradagens, assim como grandes ódios, vão se formando; alguns presos usam de pequenas artimanhas para conseguir dinheiro e, com isso, poder comprar coisas: doces feitos na cidade, a vodca contrabandeada no presídio, tudo escondido da administração, claro. E os que não tem nenhum dinheiro tem de se resignar. Alieksandr fala da sensação que o preso experimenta por ter algumas moedas tilintando no bolso: é a sensação de ser um homem livre.

Não sei se a intenção do escritor era fazer alguma espécie de denúncia em relação ao sistema prisional russo (com seus trabalhos forçados e castigos físicos). Acredito que ele estava mais interessado em tratar de outra coisa, daquilo que nos torna tão diferentes de tantos tipos descritos no livro, mas também nos aproxima tanto: o mistério da alma humana. Uma grande obra de um grande escritor.


Sobre o escritor:

Fiódor Mikháilovitch Dostoiévski nasceu em Moscou em 11 de novembro de 1821 e morreu em São Petersburgo em 09 de fevereiro de 1881. Foi um dos mais importantes escritores russos, bem como da literatura mundial. Em seus livros, a natureza humana, em especial a do povo russo, com seus defeitos, qualidades e angústias foi sempre esmiuçada. Em 1866 publicou Crime e Castigo, um de seus livros mais conhecidos. Os Irmãos Karamazovi, considerada sua obra-prima, foi publicado em 1879. Sofria de epilepsia, cujo primeira manifestação ocorreu durante sua prisão. A doença o acompanharia por toda a vida.

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