sexta-feira, 29 de julho de 2011

OS CEM MELHORES CONTOS BRASILEIROS DO SÉCULO - Org. Ítalo Moriconi (Part Final)

“O problema dessa antologia é que, na verdade, o que mais contou foram os nomes e não as obras, mais do que qualquer outra coisa.”

Por Elenilson Nascimento

No ano de 2003 uma certa polêmica surgiu na mídia tupiniquim quando, em debate com autores no Caderno Ilustrada, do jornal Folha de São Paulo, o escritor Bernardo Carvalho resumiu sua ideia sobre os autores agrupados no livro “Geração 90: Transgressores” (Editora Boitempo): tratava-se mais de um projeto que buscava visibilidade para um grupo de escritores do que efetivamente um movimento ou algo significativo. Concordo plenamente. A reação foi imediata: uns diziam que o que importava não era o rótulo e sim o conteúdo e, por não ter lido os trabalhos, não entenderiam a questão. Outros que propaganda é sempre boa, eles têm mais é que aparecer, que a questão literária surgiria por si só, entre outras milhares de opiniões. E, depois de ter lido essa extensa antologia "Os Cem Melhores Contos Brasileiros do Século", organizado por Ítalo Moriconi, fiquei com essa mesma impressão: que o livro não passa de um “tapa buraco de caixa” da editora!

Nesse capítulo final, sobre os autores dos anos 90, no qual o Bernardo Carvalho também foi incluso, o rótulo de “Geração 90” e, principalmente “transgressores”, tem muito mais a ver com marketing pessoal do que qualquer outra coisa. Onde eles colocaram os autores da periferia? Cadê Nelson Luiz de Carvalho, Ferréz, Drauzio Varella, Alessandro Buzo, Luiz Alberto Mendes, Sacolinha e Rodrigo Ciríaco? Todos foram esquecidos!

O trabalho de Moriconi é mais um retrato de brodagem literária a serviço da difusão dos interesses de uma editora do que uma compilação de peso que tenha algo mais substancioso a dizer, apesar de alguns textos escolhidos terem sido fenomenais. O que não é ruim; sendo eu também um cara das letras, acredito na necessidade de se utilizar de um recurso interessante para chamar a atenção de um público que, de outra maneira, não seria exposto a trabalhos de autores, apesar de consagrados, esquecidos.

“Os anos 90 descartam o baixo astral e inventam um fim de século rico de imagens e criatividade. É uma década de estranhos e intrusos na festa da cultura: às mulheres somam-se os negros, os gays, os brasileiros em Nova York... Na época que celebra a diferença, nossos contistas produzem alegorias do híbrido. Combinam o humano ao animal, exploram a fusão com o tecnológico. Pelo que deixa entrever a arte de nossos melhores contistas atuais, parece que no futuro próximo vamos viver num país mais heterogêneo, mais plural, embora um pouco hesitante em relação às suas novas metas. A diversidade de estilos aponta para um período de transição, como aconteceu no final do século passado. Mas não há temor nem entusiasmo diante do inesperado, diante do todo outro que pode vir – ou não”, escreveu Ítalo Moriconi no capítulo final dessa antologia.

O problema dessa antologia é que, na verdade, o que mais contou foram os nomes e não as obras, mais do que qualquer outra coisa. Até a polêmica-ignorante-burra proibição judicial da distribuição dos "Os Cem Melhores Contos Brasileiros do Século" para alunos da rede estadual de ensino reacendeu a hipocrisia envolvendo sexualidade, censura e educação. Para alguns educadores e escritores, a medida é arcaica e desnecessária. Na visão de alguns alunos e pais, parte do conteúdo da publicação é muito pesada para quem tem entre 11 e 17 anos. Os contos citados com "problemas" são "Obscenidades para uma Dona de Casa", de Ignácio de Loyola Brandão, "Flor de Cerrado", de Maria Amélia Mello e "Olho", de Myriam Campello. Todos os três maravilhosos e inclusos numa polêmica fascista justamente por um povinho que não deve ter nem passado perto da capa do livro.

Mas, talvez o perigo de se pegar títulos de autores pomposos e trazer a luz de uma população que nunca tem tempo de ler um livro pequeno, quanto mais um tijolão com quase setecentas páginas, não faça jus a um livro que poderia ter ficado bem melhor. Talvez os “transgressores” de outrora representam bem mais a continuação da literatura dos anos 20, no que é verdade. Então, o que há de transgressão hoje? Bem, pelo que pude ler “transgressão” para alguns é simplesmente a utilização de um “estilinho” de escrever “diferente”, de escrever palavrões ou dizer que “pica” e “buceta” foram feitos para viverem juntos. Os autores em sua grande maioria demonstram um excelente domínio da língua, sem dúvida. Mas sofrem de uma crise de conteúdo. Alguns, eu estou dizendo “alguns”, usam umas personagens desinteressantes em estórias irrelevantes, onde o mais importante parece ser a força do nome do autor no texto.

Isso sem dizer da sombra de Dalton Trevisan e Rubem Fonseca, que parecem pairar sobre pelo menos 90% dos autores dos anos 90 até hoje. Estórias de uma classe média decadente, drogada, desesperada, falando sobre sexo sujo e, normalmente no final, morrendo em algum crime brutal. Textos curtos, outros nem tanto. E, para piorar, algumas estórias não conseguem a universalidade que um Trevisan ou um Nelson Rodrigues conseguem com facilidade em seus contos: falta-lhes a sutileza, o domínio dos personagens, a capacidade em captar as nuances e situações do dia-a-dia das ruas e colocá-las em situações provocadoras, instigantes. Muitos dos textos em "Os Cem Melhores Contos Brasileiros do Século" não conseguiram alcançar esta proeza. Os poucos que conseguem chamar a atenção para algo além do estilo acabam apelando para os clichês de sempre, como já dissemos, morte, putaria ou mesmo um “I don’t care”. Mas acho que as coisas já estão mudando, em especial, com muitos escritores da chamada “Geração Blogger”. E eu, sem humildade nenhuma digo: estou incluso nela!

+ Clique aqui e leia a continuação da Part Final da resenha – Anos 90 (Estranhos e intrusos).

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Um comentário:

  1. Um excelente livro, ja ouvi falar dele mas ainda nao tive oportunidade de leitura...

    seguindo

    Philip Rangel
    http://entrandonumafria.blogspot.com/

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