Editora: Jorge Zahar
1ª edição - 2007
119 pg.
Uma reflexão profunda sobre a insegurança, sobretudo nas grandes cidades. Terrorismo, desemprego, solidão - fenômenos típicos de uma era na qual, para Bauman, a exclusão e a desintegração da solidariedade expõem o homem aos seus temores mais graves. (Sinopse do site da Livraria Cultura)
Terminei esta semana. E recomendo, quem puder ler, leia. A linguagem é acessível para leigos como eu; ao mesmo tempo, a apresentação do tema não tem nada de leiga, é complexa, com base e argumentação consistentes.
Bauman fala sobre medo e insegurança. Os perigos que enfrentamos hoje são maiores do que os de outros tempos? Viver é mais difícil? O que há por trás dessa “indústria” da insegurança na qual estamos inseridos? Estamos?
O olhar do autor não é subjetivo e vago ao tentar responder. É direto e esclarecedor, atentando para a forma como o ambiente das cidades - inicialmente construídas para fornecer abrigo entre seus muros - acabou sendo transformado em espaço de medo e desintegração. E isso não foi por acaso, há economia, política, poder, opressão, cultura e intenções nessa mudança profunda que se verificou no mundo atual .
Um mundo de tempos líquidos, e daí o título da obra. Conceitos como governo, religião, comunidade, família, etc., antes “sólidos pilares” (será?), dissolvem-se em meio a redes sociais novas, onde rotinas de comportamento são quebradas e valores são questionados frente a uma liberdade individual “teoricamente infinita" e igualmente quebrada e questionável.
Mas essas mudanças - e a rapidez com que elas ocorrem - cobram um preço alto, nem sempre pago com facilidade (algumas promoções vendem felicidade aceitando cartão de crédito? Ora, ora, lá vamos nós, aderindo ao crédito fácil e enredados em novas redes).
Bauman reflete sobre os efeitos dessa “rapidez” em nossa vida, nos laços afetivos, na capacidade de amar, de ver, perceber, opinar. Os olhos ainda podem ser livres? Algum dia já foram? O que são olhos livres? O que é o sentir livre?
Da forma como gostei, se eu fosse comentar com detalhes, terminaria quase transcrevendo a obra. Por isso, ressalto aqui apenas dois pontos que chamaram minha atenção de maneira especial.
Em primeiro lugar, a análise que o autor faz da mudança do Estado de funções sociais para o Estado defesa, “administrador do medo”. Ler acerca de como a insegurança acabou inserida no quotidiano e se autoalimenta, num crescer contínuo, me fez dar uma pausa e pensar sobre nossas sensações/emoções, defesas/muros no contato com o “diferente”.
E se me fez pensar, já valeu a leitura.
Terrorismo, gangues, desemprego, preconceito, imigrantes, indústria, internet, condomínios residenciais, poder local/poder virtual, inclusão/exclusão... O retrato de nossas ações frente a esses termos é apresentado sem condescendência e sem espaço para o autoengano que poderia, quem sabe, apaziguar aquele cantinho da consciência que felizmente teima em acender a luz vermelha. Os comentários que Bauman coloca sobre os campos de refugiados completam o quadro. Sem dúvida, hora de ler os jornais de forma mais cuidadosa. Melhor ainda, hora de procurar informações além da imprensa.
Outro ponto que me ajudou a reavaliar e compreender melhor questões atinentes ao convívio real/virtual aparece mais na última parte do livro. Ali, Bauman atenta para o aspecto pessoal (que nunca é meramente pessoal, claro), para a relação humana num sentido de caçada, para o agir como caçador em caça constante de pessoas e coisas que a vida joga na nossa frente (pessoas e coisas não gratuitamente colocadas de forma conjunta), aquele pavor inconsciente do término da caçada sem que já tenhamos outra na agenda, o que nos deixaria de fora, como espectadores e não partícipes de um mundo que corre além de nós. Ficar de fora significa parar. E parar pode ser apavorante.
É uma ideia difícil de resumir, porque pensamento que resulta de uma argumentação apresentada por todo o livro, mas tem uma frase, quando o autor cita, em parte, Blaise Pascal, que consegue dar uma noção: as pessoas querem fugir à necessidade de pensar em “nossa condição infeliz”, e assim “preferimos a caça à captura”. “A lebre não vai nos livrar de pensar” nas formidáveis mas incuráveis imperfeições de nossa condição comum, “mas caçá-la vai”.
Destaque-se aqui que "condição infeliz" tem uma análise anterior, é a condição humana, o que sou, qual o sentido da vida, sou mortal, tenho defeitos, meus limites são tão pequenos/imensos, enfim, essas dúvidas que nos atormentam e nos constroem desde tempos imemoráveis.
Recomendo o livro. Foi meu primeiro contato com o autor e um contato que aprovei.
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