O ofício de escritor de ficção sempre me pareceu enigmático e fascinante por ser o mais próximo do trabalho do próprio Deus. O escritor cria um mundo, o povoa com seus personagens e então faz as coisas acontecerem, as pessoas se encontrarem, os problemas surgirem e as soluções aparecerem.
Esse é o quinto livro de Wambaugh que leio, todos resenhados aqui em nossa comunidade. De todos, se esse não é o melhor, é certamente o mais bem escrito. Ô historinha bem bolada! As situações parecem surgir por si mesmas, nada é forçado, cada pequeno evento é entrelaçado de uma forma espontânea com os outros e com a trama maior. Exatamente como na vida. Em “Flutuadores”, Joseph Wambaugh atinge o apogeu como deus literário!
Isso se torna evidente pelos próprios personagens. Em um determinado momento, um dos inesquecíveis policiais de Wambaugh se questiona para sua parceira de investigações:
“Será que nossas ações a serviço fazem a diferença alguma vez? Alguma vez você teve certeza de ter feito algo acontecer? Ou será que as coisas acontecem por si mesmas e nós levamos o que sobra para o tribunal?”
Perceba o profundo questionamento filosófico embutido nessas palavras. O tira fala sobre seu trabalho como policial, mas poderia estar discursando sobre a essência da vida.
Outra característica fascinante no trabalho do escritor é o uso da língua. Nas mãos de um bom escritor, as palavras ganham vida e movimento e nos fazem aprender a amar o nosso idioma. Ou o dos outros, conforme o caso. Nesse livro (“Floaters” no original) esbarrei a todo momento em deliciosas passagens que perderiam boa parte de seu encanto ao serem traduzidas para o português. Wambaugh é um mestre em criar divertidas e vívidas imagens em inglês. Nada erudito, muito pelo contrário: o encanto de sua prosa é transpor a rica linguagem das ruas para o papel, principalmente as impagáveis tiradas nas conversas entre policiais.
O próprio título do livro desafia uma boa tradução (se o livro foi lançado no Brasil, duvido que tenha sido com esse título!). “Flutuadores” refere-se inicialmente aos barcos que aparecem na história, depois aos cadáveres que são jogados na água e depois aparecem boiando, depois ainda a todos os seres humanos, que de uma forma ou de outra são levados pela correnteza da vida.
A construção dos personagens é também uma marca forte do autor. Os tipos que ele cria são peculiares sem serem caricaturais, conseguem convencer o leitor de que realmente existem. E é cada figura! Mais uma vez, exatamente como na vida...
A trama gira em torno do eixo de opostos: a alta sociedade envolvida em uma competição de iatismo e a baixa criminalidade das ruas, das prostitutas baratas e de seus cafetões. Wambaugh consegue ser igualmente convincente em ambos os mundos, e o leitor é rapidamente transportado para o mundo que ele criou.
Altamente recomendável!
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