Um terrível acidente radioativo, ocorrido durante a década de 1980, parece ter condenado a espécie humana a um triste destino: a esterilidade. Incapazes de procriar, os homens e mulheres remanescentes das grandes turbulências que se seguiram ao Acidente assistem à decadência total da civilização, decadência que reflete à própria senilidade de seus corpos e mentes.
É nesse caótico panorama que surge Barbagris, protagonista da história, que decide enfrentar os desconhecidos perigos de um mundo moribundo e se lança em uma jornada em direção ao oceano. Sua esposa Marta, que possui o raro talento de manter-se espirituosa mesmo em meio a tantos sofrimentos, o acompanha, assim como alguns outros velhos sobreviventes.
Aos cinquenta e poucos anos, Barbagris é um dos mais jovens seres humanos na face da terra. Talvez nem mesmo ele saiba o que espera encontrar em sua derradeira viagem. Ao embarcarmos junto com ele, aos poucos vamos nos dando conta de que sua jornada pode ter muito a ver com a jornada de todos: é a busca de um sentido para a vida.
Brian Aldiss ficou conhecido por seus livros de ficção científica, onde o foco maior está não nos possíveis avanços tecnológicos, mas sim na natureza humana diante desses mesmos avanços. Aldiss é um autor interessado sobretudo no humano.
“Jornada de Esperança” foi publicado originalmente em 1964. Passados tantos anos, é natural que muito do impacto da obra tenha sido dissipado. Na época, deve ter sido uma crítica contundente à irracionalidade e ao absurdo da sociedade tecnológica, que muitas vezes sacrifica alegremente seres humanos em nome de abstrações como planilhas de lucratividade crescente.
Ainda hoje, causa um certo temor ver que não estamos de todo livres de uma perspectiva tão sombria quanto à descrita no livro. Ainda que a Guerra Fria seja coisa do passado, basta um só louco no poder para desencadear o Pesadelo Atômico que se tornou um triste clichê de nossa civilização (e aí está a Coréia do Norte com seus testes de mísseis para provar como isso é verdade).
Um livro triste, porém ainda mais triste porque ainda necessário.
Dois comentários paralelos à história em si.
O primeiro diz respeito à tradução. Logo de cara fiquei um pouco desconfiado, pois vi que o título original do livro era “Greybeard” (algo como Barbacinza ou mesmo Barbagris). A opção de traduzir o título como “Jornada de Esperança” mostrava uma perigosa tendência para a liberdade “criativa” demonstrada pelo tradutor.
Essa pulga atrás da orelha picou e coçou bastante ao longo da leitura, quando me deparei com alguns trechos empolados e de difícil compreensão. Creio que o texto não foi melhorado pela tradução.
O segundo comentário é sobre uma peculiaridade da ficção científica. Mesmo em um autor que se distancia do convencional do gênero, a ficção científica é muito marcada por prognósticos do futuro, por previsões. E não deixa de ser interessante ver algumas dessas previsões serem confirmadas com o passar do tempo, enquanto outras se revelam como grandes bobagens.
Esse foi o caso de uma das previsões feitas por Aldiss, que teria feito melhor se se ativesse ao cerne de sua história. Em um determinado ponto, em uma crítica totalmente gratuita, Aldiss afirma que em algum ponto do futuro a astrologia foi totalmente desacreditada como pura superstição.
Ora, o livro foi publicado em 1964. Cinco anos depois, em 1969, um estatístico francês chamado Michel Gauquelin publicou o livro “As Bases Científicas da Astrologia”, com as surpreendentes conclusões de seus estudos estatísticos. Gauquelin a princípio queria provar que a Astrologia era mesmo uma crendice. Os resultados de seus estudos acabaram tornando-o um dos grandes defensores do conhecimento astrológico. Para encurtar a história, ele fez um estudo com o mapa astrológico de campeões mundiais de atletismo e acabou provando cientificamente, sem a menor sombra de dúvida, que existe uma relação entre campeões de atletismo e Marte no Meio do Céu (uma posição específica do mapa). Os resultados foram cinco vezes superiores ao que seria de se esperar por mero acaso. Posteriormente, Gauquelin realizou estudos com políticos (Júpiter) e artistas (Vênus), com resultados idênticos.
Ou seja, o livro de Aldiss é bem interessante, mas nesse ponto ele fez uma previsão totalmente furada!
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