Esta é uma história que vai desafiando o leitor aos poucos, matreiramente, conquistando primeiro sua confiança antes de conduzi-lo a voos cada vez mais altos da imaginação.
O SINCRONICÍDIO é sobretudo um romance policial, à sua maneira, que consiste em misturar todas as outras: as refinadas charadas do whodunnit são apresentadas em meio a truculentas cenas noir, e o clássico mistério do quarto fechado é servido de modo a atender ao gosto moderno pela escatologia.
É mesmo uma história policial do início ao fim, com direito até à revelação revolucionária no último capítulo. E é também um conto sobre a imaginação e a memória.
Ocorre que esta é uma obra de muitas camadas, múltiplas possibilidades de interpretação.
Não é exagero afirmar que nunca antes uma história policial foi contada dessa maneira.
É na mistura entre o tradicional e o inovador que reside a originalidade de O SINCRONICÍDIO.
Ou antes, no uso inovador que é feito de conteúdos tradicionais.
Quanto ao estilo, a narrativa segue o padrão essencial do folhetim, finalizando cada segmento do texto em suspense, de forma a instigar o leitor a prosseguir com a leitura.
Quanto à estrutura, este é um livro que escapa aos padrões, ao se propor como interseção literária entre dois ricos universos semânticos: o jogo do xadrez e o jogo do I Ching.
O SINCRONICÍDIO é dividido em 64 capítulos apresentados fora da sequência numérica, cada qual representado pelo correspondente hexagrama do I Ching, o Livro das Mutações, milenar oráculo chinês.
O hexagrama é apresentado ao início do capítulo em uma engenhosa adaptação para o xadrez, que substitui as linhas yang e yin pelas casas brancas e negras do tabuleiro, sinalizando as linhas móveis através de peças que ocupam as respectivas casas.
O resultado são verdadeiros “poemas enxadrísticos”, uma curiosidade a mais para o leitor comum e um deleite para os entusiastas do Jogo dos Reis.
O cruzamento literário de I Ching com xadrez ocorre também por meio do Passeio do Cavalo, um clássico problema de xadrez que consiste em fazer o Cavalo percorrer todas as casas do tabuleiro em 64 movimentos sucessivos, sem jamais repetir uma casa.
Existe uma solução particularmente elegante para esse enigma, chamada de Passeio Fechado: depois que o Cavalo chega à última casa, o movimento seguinte o levaria de volta ao ponto de partida.
Estruturalmente, O SINCRONICÍDIO é a versão literária de um Passeio Fechado através do I Ching: os 64 capítulos representados pelos hexagramas são as casas do tabuleiro percorridas pelo Cavalo.
O livro estruturado dessa forma, ao mesmo tempo em que propicia ao leitor uma apresentação original e atraente para a sua história, revela também afinidade com um alto anseio literário: expressar, através do romance, a totalidade da vida em sua complexidade.
Pelo mesmo motivo, à semelhança de obras como Ulisses de James Joyce e Mrs Dalloway de Virginia Woolf, a história toda acontece em um único dia, o dia do Sincronicídio.
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