Haverá de chegar o dia em que esgotarei minhas obsessões com o romance policial. Vou simplesmente fechar um livro e dizer: “Chega! Já li o suficiente. Estou satisfeito.”
Já começo a sentir os sinais. A cada nova leitura me torno mais atento aos indesejáveis efeitos de expor a mente a páginas e mais páginas de violência ou de sugestão de violência. Já penso duas vezes antes de começar a ler o próximo, dando preferência a outros estilos de literatura. Já houve momentos em que me senti como o fumante que faz planos para largar o cigarro que é ao mesmo tempo seu amigo e inimigo. O que me convence mais de que quase tudo que se soma à nossa personalidade é determinado pelo hábito.
A leitura dos romances policiais por si mesmos oferece decrescentes níveis de diversão, pois se trata de um estilo literário de regras bem definidas, e definidas há um bom tempo, com a consequência inevitável da repetição de alguns modelos básicos com a introdução de pequenas variações. Com o tempo passando e “mil macacos batucando em mil máquinas de escrever”, acabamos esgotando até mesmo as variações. Daí o encantamento e a surpresa com esse estilo serem inversamente proporcionais ao número de livros lidos. Já li quase todos de Agatha Christie e foram poucos os que achei menos que ótimos. Mas nenhum marcou tanto quanto o primeiro dela que li. E assim foi também com Conan Doyle e muitos outros. Houve também exceções. O fato importante é que quanto mais se conhece a respeito do “jogo”, menos se é espontâneo ao jogá-lo. Não há nada como a inocência.
Felizmente, é possível ler qualquer livro de qualquer estilo sob renovados pontos de vista. Esse “Procura-se Uma Vítima”, por exemplo, achei bastante violento e sexualizado, um exemplar extremado da escola americana, bem carregado nas tintas vermelhas. Como o livro foi originalmente publicado em 1954, fiquei imaginando o impacto que teve no contexto da sociedade da época. A princípio pensei que o livro deve ter caído como uma bomba.
Logo em seguida, porém, pela própria associação de idéias, visualizei a obra em um contexto mais amplo, como um produto de seu tempo, de um mundo imerso no pessimismo pós-guerra mundial e no medo atômico, de uma época marcada por profundas feridas, pelos sonhos despedaçados, pela desilusão.
Isso não é citado de forma explícita por Macdonald. Mas está lá, como pano de fundo para o painel de dor e luxúria que ele pinta com pinceladas tão vívidas. Está lá, em algum lugar, como “os pesadelos no banco de trás” da mente do narrador e anti-herói Lew Archer, bem no ponto onde “o sexo e a morte se abraçam”.
Faltou comentar que esse livro, seguindo tendência largamente utilizada por alguns dos maiores mestres do gênero, retira o seu título e o seu mote de um conhecido trecho de poesia. “Encontre Uma Vítima” (“Find a Victim” no original) presta homenagem às instigantes palavras de Stephen Crane:
“Um homem temia encontrar um assassino;
Outro temia encontrar uma vítima.
Um era mais sábio que o outro.”
Haverá de chegar o dia em que esgotarei minhas obsessões com o romance policial. Talvez esse dia chegue ainda nesta vida.
Lendo sua resenha, fiquei a me perguntar se eu posso me considerar uma leitora de policiais. Amo Agatha, como vc sabe, mas a considero diferente de tudo. Esses dias, uma pessoa se surpreendeu quando eu disse que gostava de histórias policiais. "Com esse jeito meiguinho?" rsss....Não sei o que tem a ver uma coisa com a outra. Tenho cara que só lê contos de fada? kkkkk... Enfim, não curto histórias muito sangrentas. A não ser que a trama seja ótima, que a violência não esteja ali por estar, aquela coisa gratuita. E, no entanto, história de crime sem cena violenta não seria um contrassenso? Espero que ainda demore um pouco para você largar os policiais, assim podemos continuar com suas interessantes análises, querido.
ResponderExcluirValeu pelo carinho Andreia querida!
ResponderExcluirRararara, se você não tem cara de quem lê policiais, muito menos tem a Agatha Christie de escrevê-los né!
Eu amo o romance policial, mas realmente estou ciente do malefício que provoca... por sincronicidade hoje mesmo recebi um e-mail falando sobre isso, como filmes e livros violentos acabam gerando depressão... E ontem mesmo comecei a ler um do Rubem Fonseca, depois de algum tempo sem ler policiais, e senti nitidamente a paulada!!!