sábado, 21 de abril de 2012

VENENO – Ed McBain



Nesse livro McBain está no auge de sua forma, um escritor maduro e experiente, com mais de três décadas de bons serviços prestados à ficção policial. Desnecessário é dizer que mais uma vez o mestre se supera!

O que primeiro me chamou a atenção foi a fluência do texto. A narrativa segue com facilidade e simplicidade, e de alguma forma McBain conseguiu melhorar o que já era ótimo. Não consegui identificar exatamente porque achei o estilo do texto melhor que em outros livros dele, mas definitivamente houve uma melhora. Talvez por ele ter abolido as passagens mais líricas que costumavam enfeitar as narrativas anteriores, o resultado tenha sido um texto mais enxuto e direto ao ponto.

Outro ponto de interesse foi acompanhar as mudanças que a passagem do tempo gera na história, mais uma da saga do 87º Distrito. Assim como Hercule Poirot e Miss Marple, os personagens de McBain não envelhecem de um livro para outro, mas é inevitável que algumas circunstâncias externas sejam alteradas. Steve Carella e seus companheiros iniciaram suas aventuras na década de 50, e nesse “Veneno” (“Poison” no original) já estamos quase no fim da década de 80, e por isso é curioso acompanhar as mudanças que o mundo atravessou nesse período através de algumas referências sutis. O que me chamou a atenção para esse ponto foi uma referência à AIDS, que acabava de ser descoberta na época em que o livro foi publicado.

Uma mudança menos sutil proporcionada pela passagem do tempo é que a descrição das cenas mais fortes ficou mais explícita. Apesar de eu ter achado o texto como um todo melhor, certamente aqui há bem menos “subtle art of understatement” (até hoje não encontro uma tradução adequada para essa frase genial de McBain).


Todos os livros da série 87º Distrito possuem algumas características em comum, que estão aqui bem representadas. Sempre as aventuras são protagonizadas pelo detetive Steve Carella, mudando apenas o parceiro que está de plantão com ele quando começa a história. Essa foi a primeira que li com o baixinho Hal Willis, um especialista em artes marciais (contrariando minhas expectativas, ele não dá um único golpe de judô durante o livro todo).

Outra característica peculiar da série é o uso de fac-símiles de relatórios policiais e outros documentos que são enxertados na narrativa, o que dá um sabor todo especial. McBain é considerado “o cara” em matéria de procedimentos policiais, e não é à toa. Sua descrição da rotina policial é muito vívida e totalmente baseada em procedimentos reais. Em “Veneno” há um uso bem criativo desses recursos, cuja importância só aparece para o leitor no final da história.

Tudo isso está muito bem, mas quando se fala de romance policial, o que importa mesmo é se o autor soube ou não ludibriar o leitor com “honestidade”, ou seja, mantendo a identidade do assassino ignorada pelo leitor até as últimas páginas e, ao mesmo tempo, oferecendo pistas suficientes para que o leitor descubra por si mesmo se for capaz. E é nesse ponto que “Veneno” supera todas as expectativas! Não posso falar mais para não estragar a surpresa, mas posso dizer que adorei ser enganado tão completamente!

“Last but not least” (por último mas não menos importante), “Veneno” traz ainda uma impressionante personagem feminina, Marylin Hollis. Creio ter vislumbrado alguma influência de Sidney Sheldon na construção da personagem, pelas inúmeras aventuras e desventuras pelas quais ela passou, mas não é isso o que a torna impressionante. Ela possui um apelo sexual muito específico, que é transmitido com muita vivacidade pela pena de McBain, profundo conhecedor que deve ser dos mistérios femininos. Aqui na Bahia esse “sex-appeal” tem uma tradução bem exata, ainda que pouco charmosa: “chá de calçola”...


Depois cheguei à conclusão de que seria injusto falar sobre “Veneno” e não mencionar a originalidade da escolha da substância que dá título à obra.

No livro, o veneno utilizado para matar foi a nicotina.

40 mg de nicotina, uma quantidade muito pequena.

Se a escolha do veneno foi original, o método bolado por McBain para administrá-lo raia a genialidade!

Um dos melhores livros de McBain. Ever.

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