sexta-feira, 20 de julho de 2012

O Apanhador no Campo de Centeio


Capa da edição nacional.
De plano, lembro três filmes que citam O Apanhador no Campo de CenteioO ColecionadorTeoria da Conspiração e O Assassinato de John Lennon. Devem haver outros. Isso é engraçado se levarmos em conta que o autor do romance, J. D. Salinger, odiava o cinema. Essa ojeriza aos filmes é repetida pela boca de Holden Caulfield, o protagonista pentelho da obra. Mas o cinema, em se tratando de Holden, não é paradigma para nada. Ele odeia tudo e todos. No livro, sua irmã – Phoebe – pergunta do que ele gosta, qualquer coisa. Ele só consegue pensar em um garoto falecido, que, na verdade, mal conhecia. Aqui, temos um dos trechos mais tocantes da obra:
Aí ouvi todo mundo correndo pelo corredor e se despencando escada abaixo. Botei o roupão e também desci correndo, e lá estava o James Castle, caído bem nos degraus de pedra e tudo. Estava morto, os dentes e sangue espalhados por todo o lado, e ninguém nem ao menos chegava perto dele. Estava com um suéter de gola alta que eu havia emprestado a ele. E não aconteceu nada com os caras que estavam no quarto dele. Só foram espulsos do colégio. Nem ao menos foram presos.
A cada capítulo, Holden xinga o cinema; refere-se ao próprio irmão (mencionado apenas pela inciais D.B.), roteirista em Hollywood, como um “prostituído”. Na verdade, tanto esse irmão, quando a irmã, são as únicas pessoas que o riquinho e mimado Holden parece gostar. Além de Allie, o caçula, falecido e sempre vivo na memória familiar. Tudo, para ele, é cretino e imbecil.

Holden Caulfield é um eterno adolescente, aos dezessete anos, possivelmente na década de 50, em plena Nova Iorque. E como nos faz lembrar nós mesmo, quando adolescentes, com nossos quinze anos de idade, quando achávamos tudo à nossa volta cretino e imbecil. Maduros, vemos o erro de pensamento de Holden. Sabemos que, na verdade, todos são cretinos, cada um à sua maneira. Até nós mesmos. E, assim como nos chateamos com a imbecilidade alheia, os outros também se chateiam com a nossa. Não adianta querer mudar nada. O romance narra, quase totalmente, um final de semana, saindo desse momento apenas próximo ao final. E Holden não muda nada à sua volta, nem a si mesmo. E, tentando mudar a si mesmo (em parte), a fim de buscar mais tranquilidade para sua vida, é que J. D. Salinger parece nos dizer que ele vai a um hospital psiquiátrico, de onde nos conta esses três dias em sua vida.

Boa concepção artística de Holden Caulfield .
O Apanhador... não é um romance rural. O título remete uma canção que cita um trecho do poema de Robert Burns. A primeira vez, no livro, que Holden escuta a canção, é cantada (de maneira errada) por um garoto, na rua. Depois, quando Phoebe pergunta o que ele quer ser (profissão, ocupação), mais à frente, ele cita o verso, dando o título a obra.
Seja como for, fico imaginando uma porção de garotinhos brincando de alguma coisa num baita campo de centeio e tudo. Milhares de garotinhos e ninguém por perto – quer dizer, ninguém grande – a não ser eu. E eu fico na beirada de um precipício maluco. Sabe o que é quê eu tenho de fazer? Tenho que agarrar todo mundo que vai cair no abismo. Quer dizer, se um deles começar a correr sem olhar onde está indo, eu tenho de aparecer de algum canto e agarrar o garoto. Só isso que eu ia fazer o dia todo. Ia ser só o apanhador no campo de centeio e tudo. Sei que é maluquice, mas é a única coisa que eu queria fazer.
No trecho acima, ele parece querer ser um protetor da vida pura, ingênua, das crianças, para que não se emporcalhem com o desencantamento da vida adulta. Penso que o nome de Holden é emblemático, embora não me depare com pessoas pensando sobre isso. Seu primeiro nome me lembra “abraço”“pegar”“segurar”. Enquanto seu sobrenome me remete à “coifa” (caul)“calor”, juntamento com a palavra “campo” (field). Seu nome já me parece um propósito em seus desígnios (ou desejos pueris). Mas, durante toda a história, é o Caulfield que está caindo, vertiginosamente, como alertado pelo seu professor Antolini:
Tenho a impressão de que você está caminhando para algum espécie de queda... uma queda tremenda. Mas, honestamente, não sei de que espécie...
Sobre o autor, é sempre bom destacar sua reclusão e que poucas fotografias lhe são conhecidas. Durante anos, morou na pequena cidade de Cornish, em New Hampshire.


J. D. Salinger


J. D. Salinger irritado com um paparazzi

Quem não leu, vale a pena. A leitura é curta, fácil e dinâmica. Recorde-se de quando você era o centro do planeta e nada era tão bom como deveria ser. Mas, sim: o mundo é cretino; nós somos. Cada um com a sua parte. Penso que, mais à frente, Holden descobriu isso.

Notas
  • As citações foram retiradas da 17ª edição brasileira publicada pela Editora do Autor.
  • Kleiton Gonçalves é autor do Blog do Neófito e esta é sua quarta contribuição a este excelente espaço.

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