sexta-feira, 20 de julho de 2012

O Senhor das Moscas, de William Golding


Imagem do Dictionnaire Infernal

William Golding foi um escritor britânico laureado com o Prêmio Nobel de Literatura (1983) que combateu na Segunda Grande Guerra Mundial. Sobre a guerra, deixou o conhecido testemunho: “Qualquer pessoa que tenha passado por esses acontecimentos terríveis sem entender que o homem produz o mal como a abelha produz o mel estava cega ou louca”.  E esse pensamento negativo (ou realista?) sobre o humano acompanhou – ou melhor: balizou – sua obra, em especial aquela que lhe deu fama: O Senhor das Moscas. O próprio título refere-se à tradução da palavra hebraica “Ba’alzebul” – em português, Belzebu. Na demonologia, este é o Terceiro dos Três, sendo o Príncipe da pestilência, mas, ao mesmo tempo, da ordem.

O Senhor da Mosca é o maior romance alegórico pós-guerra, juntamente com A Revolução dos Bichos, de George Orwell. E lhe vale esse título, narrando a história de crianças que, em razão de um acidente não muito bem explicado pelo autor, são jogadas à própria sorte em uma ilha deserta, onde, gradativamente, vão perdendo qualquer verniz de civilidade e tornam-se bárbaros cruéis e homicidas. Na ilha, três personagens se destacam, o carismático Ralph, o arrogante Jack e aquele que representa o fracasso da razão no meio natural, Porquinho (durante todo o romance, é assim que lhe chamam).

Penso que o autor nunca teve a intenção de explicar de que maneira, exatamente, aquelas crianças foram parar na ilha, sem nenhum adulto sobrevivente. Não importa. Relevante foi, somente, deixá-las ali, à própria sorte, para que cedessem aos seus instintos mais básicos e comprovassem a antítese ao bom selvagem de Jean-Jacques Rousseau. Ali, o medo, o desespero e a loucura os dominam, bem como as superstições, ao começarem a crer na existência de “bichos” que ameaçam suas vidas. Não demora até procurarem agradar essa entidade nunca realmente vista. E, ao matarem uma grande porca para se alimentar, fincam sua cabeça, empalada, oferecendo-a, com as tripas, em sacrifício e homenagem. A cabeça que apodrece na toca da tribo formada por crianças britânicas e torna-se um emblema do estado de selvageria.
“Nada se desenvolvia ali, a não ser as moscas que escureciam seu senhor e faziam as estranhas espalhadas parecer um brilhante montão de carvão.”
Cena do filme de 1990
Cena do filme de 1963
De início, os garotos organizam um parlamento, dando voz apenas a um de cada vez, de forma organizada. Essa organização é conseguida por uma concha marinha. Quem a segura, tem a palavra. Após a barbárie se instalar, o roubo e a destruição da concha é algo buscado pela tribo formada por Jack. A alegoria é clara. No mesmo instante em que destroem a concha, ocorre, seguidamente, o hedionda morte de Porquinho, que a segurava como a um tesouro.

Após toda a loucura tê-los dominado, os garotos encontram, na praia, um Oficial naval. No mar, um navio. Eles, enfim, sairiam da ilha. Novamente, estavam em contato com o mundo civilizado. O último parágrafo do livro reflete esse contraste entre estado natural e civilização, no momento em que o Oficial dá as costas às crianças sujas, assustadas e soluçantes, e a Ralph, em sua aparência selvagem, chorando “pelo fim da inocência, pela escuridão do coração humano e pela queda no ar do verdadeiro e sábio amigo chamado Porquinho”, e volta-se à imagem na embarcação que conduz:
“O Oficial, cercado por todo esse ruído, ficou emocionado e um pouco embaraçado. Virou-se para dar tempo a que se recuperassem. Esperou, deixando os olhos fixos no garboso cruzador à distância”.
A novela teve duas adaptações cinematográficas, nos anos de 1963 e 1990 (imagens acima).

Alex Garland - autor britânico - publicou, em 1996, o romance A Praia, que viria a ser filmado com título homônimo, com papéis principais para Leonardo DiCaprio e Tilda Swinton, no ano de 2000. A trama gira em torno de um grupo de adolescentes e jovens adultos vivendo em uma ilha paradisíaca na Tailândia, a qual é mantida em segredo por todos. A obra é uma releitura do romance de William Golding. E, como a obra inspiradora, o final guarda tragédia e barbárie.

O Senhor das Moscas continua encontrando referências na cultura pop, como no seriado Lost e na canção The Lord of The Flies, da inglesa Iron Maiden. Recentemente, lendo Fábulas (HQ escrita por Bill Willingham, publicada pelo selo Vertigo da DC Comics), encontrei, na figura da cabeça empalada do porco Cícero, outra indicação à obra de W. Golding. E isso não foi à toa, pois o próprio título do arco onde acontece esse empalamento faz indicação a outra grande novela alegórica: Animal Farm (para nós: A Revolução dos Bichos). O quinto episódio da nona temporada de Arquivo X possui o título de The Lord of The Flies, embora não tenha relação alguma com o romance.

* * *

Kleiton Gonçalves é autor do Blog do Neófito e esta é sua terceira contribuição a este excelente espaço.

4 comentários:

  1. Valeu mesmo pela instigante resenha!
    Tenho esse livro aqui, agora decidi ler!
    abração

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  2. Demais!tanto tempo com o livro aqui e só agora entendi a grandeza desse romance. Para ser lido, relido como reflexão da nossa maldade inata.

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