Uma
linda aventura do espírito humano! Um homem que eleva a sua consciência
beneficia a humanidade inteira. Certamente essa foi uma das melhores leituras
que fiz em 2011.
É
extremamente improvável que René Descartes conhecesse a ciência da Yoga, o que
torna a leitura de suas “Meditações” ainda mais impactante. Pois o método
proposto pelo filósofo para alcançar a verdade não difere muito em sua essência
da prática de meditação iogue:
“Fecharei
agora os olhos, tamparei meus ouvidos, desviar-me-ei de todos os meus sentidos,
apagarei mesmo de meu pensamento todas as imagens de coisas corporais, ou, ao
menos, uma vez que mal se pode fazê-lo, reputá-las-ei como vãs e como falsas; e
assim, entretendo-me apenas comigo mesmo e considerando o meu interior,
empreenderei tornar-me pouco a pouco mais conhecido e mais familiar a mim
mesmo.” (Meditação Terceira, parágrafo 1)
Ao
exercitar a sua dúvida radical (que levou ao célebre “penso logo existo”),
Descartes descreve um panorama que qualquer hindu identificaria imediatamente
com o conceito de Maya, a Ilusão:
“Todavia,
há muito que tenho no meu espírito certa opinião de que há um Deus que tudo
pode e por quem fui criado e produzido tal como sou. Ora, quem me poderá
assegurar que esse Deus não tenha feito com que não haja nenhuma terra, nenhum
céu, nenhum corpo extenso, nenhuma figura, nenhuma grandeza, nenhum lugar e
que, não obstante, eu tenha os sentimentos de todas essas coisas e que tudo
isso não me pareça existir de maneira diferente daquela que eu vejo?”
(Meditação Primeira, parágrafo 8)
Só pode
ter noção da audaciosa aventura proposta por Descartes aquele que se dispuser a
acompanhá-lo. Não é um mero jogo do intelecto, que pode ser feito com segurança
em uma confortável poltrona, e sim uma apaixonada busca existencial, onde tudo
é colocado em risco, para que o bem maior seja alcançado: a verdade.
Duas
verdades essenciais
E o
filósofo emerge de seu profundíssimo mergulho trazendo duas pérolas de valor
inquestionável:
1) eu
existo
2) Deus
existe
Ouso
afirmar que Descartes alcançou essas verdades não através do puro raciocínio,
mas pela sutil intuição. Essa é uma opinião minha, pois em momento algum o
filósofo fala de intuição. Mas tenho para mim que ele voltou de sua busca com
essas duas certezas da mesma forma que o Iogue retorna de sua meditação
carregando essas mesmas brilhantes certezas.
Sendo,
porém, um filósofo e não um iogue, Descartes escreveu seu livro exercitando a
razão em grau máximo, a fim de demonstrar inequivocamente o que seu coração
sabia ser a transparente verdade: eu existo e Deus existe!
Essas
razões e argumentos tão refinados fizeram o deleite dos eruditos ao longo dos
séculos, uns defendendo e outros atacando, com maior ou menor habilidade. Mas
esses intermináveis debates não apetecem aos sinceros e humildes buscadores da
verdade, que contemplam em si mesmos o mesmo que contemplou Descartes.
Citações
“Sempre
estimei que estas duas questões, de Deus e da alma, eram as principais entre as
que devem ser demonstradas mais pelas razões da Filosofia que da Teologia:
pois, embora nos seja suficiente, a nós outros que somos fiéis, acreditar pela
fé que há um Deus e que a alma humana não morre com o corpo, certamente não
parece possível poder jamais persuadir os infiéis de religião alguma, nem quase
mesmo de qualquer virtude moral, se principalmente não se lhes provarem essas
duas coisas pela razão natural.” (introdução)
“(...)
tudo quanto se pode saber de Deus pode ser demonstrado por razões, as quais não
é necessário buscar alhures que em nós mesmos, e as quais só nosso espírito é
capaz de nos fornecer.” (introdução)
“Mas é
possível também que eu seja algo mais do que imagino ser e que todas as
perfeições que atribuo à natureza de um Deus estejam de algum modo em mim em
potência, embora ainda não se produzam e não façam surgir suas ações.”
(Meditação Terceira, parágrafo 28) – mais uma profunda intuição de Descartes
que o aproxima da filosofia oriental!
“Pois,
como a fé nos ensina que a soberana felicidade da outra vida não consiste senão
nessa contemplação da Majestade divina, assim perceberemos, desde agora, que
semelhante meditação, embora incomparavelmente menos perfeita, nos faz gozar do
maior contentamento de que sejamos capazes de sentir nesta vida.” (Meditação
Terceira, parágrafo 42)
“(...)
concluo tão evidentemente a existência de Deus e que a minha depende
inteiramente dele em todos os momentos de minha vida, que não penso que o
espírito humano possa conceber algo com maior evidência e certeza.” (Meditação
Quarta, parágrafo 2)
Viva
Descartes!!!
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