quarta-feira, 15 de janeiro de 2014

A CAVERNA - José Saramago




Essa obra é uma delicia, mas eu sou suspeita, pois adoro Saramago, já postei vários comentários sobre algumas obras desse fantástico autor. Apesar de seu foco político, trata-se de uma obra leve, onde as críticas ao capitalismo são feitas com a sutileza conhecida do autor.

Em algumas das minhas observações sobre esse autor, em outros tópicos, comentei sobre sua forma de escrever diferenciada, e sobre a sensação de estranheza que isso dá a quem não está acostumado a suas obras, mas vou repetir para quem não leu....
Saramago ficou conhecido por se utilizar de frases e períodos muito longos, com pontuação de modo completamente não convencional, e isso a princípio, tem aparência de incorreção a quem não está acostumado a suas obras. Usa os diálogos, inseridos no próprio parágrafo, sem o uso de travessões...o que leva ao leitor a uma viagem constante, onde a fala x pensamento do autor se confunde com a dos personagens........uma verdadeira bagunça-delícia.

Outra característica....é o uso das vírgulas no lugar de pontos finais, transformando parágrafos em páginas  inteiras. Mas esse estilo de Saramago só incomoda nas primeiras páginas, com o envolvimento das páginas, nossos olhos se acostumam com essa estranheza, e essa característica  se transforma em apenas seu ponto marcante.

Nessa obra, o autor risca paralelos com o trecho que Platão escreveu sobre a caverna, na obra “A República”..e se utiliza da caverna como uma metáfora a condição humana no capitalismo. Eu pessoalmente acho bem distintas as duas posições...já que Platão criticava o mundo real, com os olhos voltados para a razão, e essa como foco central de seus pensamentos,  já Saramago não enaltece a razão e sim a reflexão pessoal, como condição ímpar para a vida. Platão desprezava a vida cotidiana, a condição biológica....só o mundo das idéias tinha real importância. Saramago em seu oposto, adora o ser humano e sua condição biológica, e  nega o capitalismo por uma condição mais simples.

A mensagem do autor é dada através de poucos personagens: um oleiro viúvo, muito tradicional, que vive com sua filha, na parte rural-verde da cidade e juntos lutam para que o mundo das produções em série e do igual, não mate a profissão artesanal; um genro segurança de um shopping; uma paixão viúva do oleiro e um cão humanizado adotado e amado por todos.Através desses poucos personagens, o mundo verde-simples e o imenso complexo comercial que se levanta nas proximidades, o autor traça paralelos entre o capitalismo devorador x a vida simples de um artesão preso aos moldes do fazer diferente. Esses dois mundos opostos, são classificados por Saramago como Cavernas diferentes, o que explica a titularidade da obra.

O autor faz uma reflexão sobre a vida moderna...descrevendo  a caverna como símbolo   capitalista, que nos engole com seu consumo, egoísmo e prisão. Criticas a tecnologia como fonte de egoísmo são comuns nas páginas....como ele mesmo diria...’apesar de ser ela fonte de todos as nossas comodidades será que não somos prisioneiros dela vivendo mais para nós mesmos do que para a comunidade? Será possível escapar do capitalismo que já nos acomodou e absorveu como consumidores?’

Num estudo mais profundo da obra, li que Saramago numa visita ao Museu do Pontal no RJ, ao olhar algumas das 30mil pequenas estátuas com figuras humanas de barro, feitas 40 anos antes por um artista desconhecido, teve a primeira inspiração para essa obra. O museu privado, se encontrava perto da praia, mas longe do centro, e para se chegar a ele, o caminho era sitiado de casas de luxo, espigões e shopping-centers, típicos da Barra, o que gerou o enredo e contraponto principal da obra.

Saramago traz sempre em seus romances, uma mensagem política...uma mensagem da cegueira humana. Engraçado como podemos sentir sua ironia, mesmo qdo compara um shopping sem janelas com uma caverna. Para ele, a caverna encontra-se no nosso cotidiano...nos nossos olhares...nos nossos trabalhos. Quem de nós não conhece um artesão considerado pelo capitalismo com obsoleto, e que ainda insiste em viver dentro de seus paradigmas de vida? A Praça General Osório no Rio está cheio deles e em várias pontos do Brasil, esbarramos com muitos desses artistas maravilhosos pelas ruas.
“Não estamos todos cegos, mas que aquilo que achamos que é a realidade não passa de sombras.”

A Caverna brilhantemente descrita pelo autor, é a representação viva do autor da face cruel do capitalismo, representante da tecnologia moderna, onde seus personagens fictícios, tentam encontrar junto com nós leitores, a lucidez da prisão em que vivemos no mundo atual..
A frase que começa e termina a obra, já nos dá um prólogo do que vamos encontrar em suas páginas, e para mim, resume brilhantemente todo seu teor e mensagem....

.”Que estranha cena descreves e que estranhos prisioneiros. São iguais a nós.”


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