Essa obra é uma delicia, mas eu sou
suspeita, pois adoro Saramago, já postei vários comentários sobre algumas obras
desse fantástico autor. Apesar de seu foco político, trata-se de uma obra leve,
onde as críticas ao capitalismo são feitas com a sutileza conhecida do autor.
Em algumas das minhas observações
sobre esse autor, em outros tópicos, comentei sobre sua forma de escrever
diferenciada, e sobre a sensação de estranheza que isso dá a quem não está
acostumado a suas obras, mas vou repetir para quem não leu....
Saramago ficou conhecido por se
utilizar de frases e períodos muito longos, com pontuação de modo completamente
não convencional, e isso a princípio, tem aparência de incorreção a quem não
está acostumado a suas obras. Usa os diálogos, inseridos no próprio parágrafo,
sem o uso de travessões...o que leva ao leitor a uma viagem constante, onde a
fala x pensamento do autor se confunde com a dos personagens........uma verdadeira
bagunça-delícia.
Outra característica....é o uso das
vírgulas no lugar de pontos finais, transformando parágrafos em páginas inteiras. Mas esse estilo de Saramago só
incomoda nas primeiras páginas, com o envolvimento das páginas, nossos olhos se
acostumam com essa estranheza, e essa característica se transforma em apenas seu ponto marcante.
Nessa obra, o autor risca paralelos com
o trecho que Platão escreveu sobre a caverna, na obra “A República”..e se
utiliza da caverna como uma metáfora a condição humana no capitalismo. Eu
pessoalmente acho bem distintas as duas posições...já que Platão criticava o
mundo real, com os olhos voltados para a razão, e essa como foco central de
seus pensamentos, já Saramago não
enaltece a razão e sim a reflexão pessoal, como condição ímpar para a vida.
Platão desprezava a vida cotidiana, a condição biológica....só o mundo das
idéias tinha real importância. Saramago em seu oposto, adora o ser humano e sua
condição biológica, e nega o capitalismo
por uma condição mais simples.
A mensagem do autor é dada através de
poucos personagens: um oleiro viúvo, muito tradicional, que vive com sua filha,
na parte rural-verde da cidade e juntos lutam para que o mundo das produções em
série e do igual, não mate a profissão artesanal; um genro segurança de um shopping;
uma paixão viúva do oleiro e um cão humanizado adotado e amado por
todos.Através desses poucos personagens, o mundo verde-simples e o imenso
complexo comercial que se levanta nas proximidades, o autor traça paralelos entre
o capitalismo devorador x a vida simples de um artesão preso aos moldes do
fazer diferente. Esses dois mundos opostos, são classificados por Saramago como
Cavernas diferentes, o que explica a titularidade da obra.
O autor faz uma reflexão sobre a vida
moderna...descrevendo a caverna como
símbolo capitalista, que nos engole com
seu consumo, egoísmo e prisão. Criticas a tecnologia como fonte de egoísmo são
comuns nas páginas....como ele mesmo diria...’apesar de ser ela fonte de todos
as nossas comodidades será que não somos prisioneiros dela vivendo mais para
nós mesmos do que para a comunidade? Será possível escapar do capitalismo que
já nos acomodou e absorveu como consumidores?’
Num estudo mais profundo da obra, li
que Saramago numa visita ao Museu do Pontal no RJ, ao olhar algumas das 30mil
pequenas estátuas com figuras humanas de barro, feitas 40 anos antes por um
artista desconhecido, teve a primeira inspiração para essa obra. O museu
privado, se encontrava perto da praia, mas longe do centro, e para se chegar a
ele, o caminho era sitiado de casas de luxo, espigões e shopping-centers,
típicos da Barra, o que gerou o enredo e contraponto principal da obra.
Saramago traz sempre em seus romances,
uma mensagem política...uma mensagem da cegueira humana. Engraçado
como podemos sentir sua ironia, mesmo qdo compara um shopping sem janelas com
uma caverna. Para ele, a caverna encontra-se no nosso cotidiano...nos nossos
olhares...nos nossos trabalhos. Quem de nós não conhece um artesão considerado
pelo capitalismo com obsoleto, e que ainda insiste em viver dentro de seus paradigmas
de vida? A Praça General Osório no Rio está cheio deles e em várias pontos do
Brasil, esbarramos com muitos desses artistas maravilhosos pelas ruas.
“Não estamos todos
cegos, mas que aquilo que achamos que é a realidade não passa de sombras.”
A Caverna
brilhantemente descrita pelo autor, é a representação viva do autor da face
cruel do capitalismo, representante da tecnologia moderna, onde seus
personagens fictícios, tentam encontrar junto com nós leitores, a lucidez da
prisão em que vivemos no mundo atual..
A frase que
começa e termina a obra, já nos dá um prólogo do que vamos encontrar em suas
páginas, e para mim, resume brilhantemente todo seu teor e mensagem....
.”Que estranha cena descreves e que
estranhos prisioneiros. São iguais a nós.”
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