domingo, 30 de maio de 2021

O HOMEM DO CASTELO ALTO – Philip K. Dick

 


Imagine um mundo alternativo onde os nazistas venceram a Segunda Guerra Mundial. Essa é a ideia central desse incrível romance de Philip K. Dick, publicado em 1962, que granjeou ao autor o seu primeiro Prêmio Hugo e o tornou famoso no meio da ficção científica. Nos anos seguintes, Philip K. Dick iria inscrever em definitivo seu nome no panteão da FC, com obras extremamente originais e perturbadoras, que décadas depois seriam transformadas em filmes de grande sucesso, como “Blade Runner”, “Vingador do Futuro” e “Minority Report”. Aliás, recentemente “O Homem do Castelo Alto” foi adaptado em uma série da Amazon (https://youtu.be/7-Lfs_UlIlo).



Uma das características mais fascinantes desse louco genial é que por mais que suas histórias tratem de temas fantásticos e até absurdos, à medida que o tempo passa mais e mais vamos percebendo que ele no fundo estava falando sobre as contradições e terrores de nosso mundo contemporâneo. Philip K. Dick cada vez mais se revela o sombrio profeta da distopia nossa de cada dia...

E um dos mais apavorantes exemplos dessa qualidade profética da ficção de PKD é justamente “O Homem do Castelo Alto”. Foi muito assustador ler algumas de suas reflexões sobre os nazistas de sua Terra paralela, quase 60 anos depois da publicação do livro. É muito difícil não pensar que ele está se referindo ao Brasil de Bolsonaro (ou aos Estados Unidos de Trump):

“Esse sujeito (...) devia ter aquela expressão fria mas, ao mesmo tempo, entusiasmada de quem não crê em nada e, mesmo assim, tem uma fé absoluta. Sim, é assim que eles são. Não são idealistas (...); são cínicos dotados de uma profunda fé. É uma espécie de deficiência cerebral, como uma lobotomia – aquela mutilação que os psiquiatras alemães fazem e que é um miserável substituto para a psicoterapia.”

“Um mundo psicótico, este em que vivemos. Os loucos estão no poder. Há quanto tempo sabemos disso? Encaramos isso? (...) Talvez, se soubermos que somos loucos, então não sejamos loucos. Ou estamos, finalmente, deixando de ser loucos. Despertando. Suponho que apenas poucas pessoas tenham consciência disso. Pessoas isoladas, aqui e ali. Mas as grandes massas... o que será que elas pensam? As centenas de milhares de pessoas aqui nesta cidade. Será que imaginam que vivem num mundo são? Ou adivinham, vislumbram, a verdade...?”

“É o inconsciente deles. Sua falta de conhecimento dos outros. Não sabem o que fazem aos outros, desconhecem a destruição que causaram e estão causando. Não, pensou. Não é isso. Eu não sei; sinto, tenho a intuição. Mas... são deliberadamente cruéis... será isso? Não. Meu Deus, pensou. Não consigo descobrir o que é, não consigo esclarecer isso.”

“E, pensou, eu sei por quê. Querem ser os agentes da história, não as vítimas. Identificam-se com o poder de Deus e acreditam ser divinos. É essa sua loucura básica.”

“– O prognóstico dele foi sombrio. Ele crê que a maioria dos nazistas em cargos elevados está se recusando a enfrentar os fatos à luz da situação econômica. Assim sendo, aceleram a tendência a aventuras cada vez maiores, e levando a uma menor previsibilidade e menor estabilidade em geral. O ciclo de entusiasmo delirante, depois o medo, depois as soluções mais desesperadas, propostas pelo Partei. Bem, o que ele queria dizer era que isto tudo tende a levar ao poder os aspirantes menos responsáveis e mais extravagantes.

O sr. Tagomi concordou.

– Por isso somos levados a supor que será feita a pior escolha, em lugar da melhor. Os elementos moderados e responsáveis serão derrotados no atual choque.”

Não pense, contudo, que “O Homem do Castelo Alto” se resume a descrever de modo acurado os nazistas mal disfarçados de nossos tempos. O livro é muito mais do que qualquer expectativa que se possa fazer sobre ele. Basta dizer que o tal sujeito do título é o alter ego de Philip K. Dick no mundo paralelo, um escritor chamado Hawthorne Abendsen que publica um livro de grande sucesso, “The Grasshopper Lies Heavy” (traduzido como “O Gafanhoto Torna-se Pesado”), sobre um mundo paralelo onde os Estados Unidos e a Inglaterra venceram a guerra! Metalinguagem é apenas o começo do labirinto mental que percorremos ao ler essa história dentro da história:

“– Vejo que estão lendo O Gafanhoto Torna-se Pesado (...) Um livro de mistério? Perdoem minha profunda ignorância.

Virou as páginas.

– De mistério, não – disse Paul. – Ao contrário, uma interessante forma de ficção, talvez dentro do gênero de ficção científica.

– Oh, não – discordou Betty. – Não tem nada de científico. Não se passa no futuro. Ficção científica lida com o futuro, sobretudo o futuro em que a ciência é mais adiantada do que agora. O livro não é nada disso.

– Mas – disse Paul – trata do presente alternativo. Existem muitos livros célebres de ficção científica desse gênero.”

Chega a causar vertigem comparar as nossas impressões da leitura de “O Homem do Castelo Alto” com as de uma leitora do livro escrito no mundo paralelo:

“O que é que Abendsen quis dizer? Nada sobre seu mundo de faz-de-conta. Sou eu a única que sabe? Aposto que sim; ninguém mais entendeu realmente o sentido do Gafanhoto: os outros apenas imaginam que entenderam.”

“Ele nos contou a respeito de nosso próprio mundo (...). Deste que está ao nosso redor agora.”

A trama se adensa quando PKD, através de seu eu alternativo, explica (ou complica) suas intenções ao escrever o livro:

“– Todos têm... segredos técnicos – disse Hawthorne Abendsen. – Você tem os seus, eu tenho os meus. Você devia ler meu livro e aceitá-lo pelo valor que aparenta, como eu aceito o que vejo... – Novamente apontou para ela com o copo. – Sem perguntar se é autêntico o que está por baixo, ali, ou coberto de arames, barbatanas de baleia e forros de espuma.”

E ainda estou longe de falar de todas as possibilidades vislumbradas nesse livro tão diferente de tudo o que já li:

“Somos todos insetos (...). Tateando às cegas na direção de algo terrível ou divino. Concorda?”

Essa leitura me impactou tanto que só agora encontro a oportunidade de mencionar que o I Ching tem uma participação crucial na trama. O próprio Philip K. Dick afirma ter consultado o oráculo chinês inúmeras vezes para escrever o livro. Tomar conhecimento desse fato me trouxe alegria e estranhamento, pois me fez perceber que de alguma forma pertenço ao clã literário de PKD, uma vez que meu primeiro romance, “O Sincronicídio” (https://caligo.lojaintegrada.com.br/o-sincronicidio-fabio-shiva), é uma história policial cujos capítulos são estruturados a partir dos 64 hexagramas do I Ching. Até ler “O Homem do Castelo Alto”, eu pensava ser o único escritor que havia utilizado o I Ching criativamente em seu processo literário. E agora, com muita gratidão, peço a benção a Philip K. Dick!

“Sou um filósofo que faz ficção, não um romancista; minha capacidade de escrever histórias e romances é empregada como um meio para formular minha percepção. O núcleo de minha escrita não é a arte, mas a verdade. Logo, o que digo é a verdade, e não posso fazer nada para aliviá-la, nem por atitude nem por explicação.” – Philip K. Dick


  

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FAVELA GÓTICA liberado na íntegra no site da Verlidelas Editora:

https://www.verlidelas.com/product-page/favela-g%C3%B3tica

 

Durante esse período de pandemia, em meio a tantas incertezas, temos uma única garantia: a de que nada será como antes. Estamos todos tendo a oportunidade preciosa de participar ativamente na reconstrução de um mundo novo, mais luminoso e solidário.

 

O livro Favela Gótica fala justamente sobre “a monstruosidade essencial do cotidiano”, em uma história cheia de suspense, fantasia e aventura. Ao nos tornamos mais conscientes das sombras que existem em nossa sociedade, seremos mais capazes, assim como a protagonista Liana, de trilhar um caminho coletivo das Trevas para a Luz.

 

A versão física de Favela Gótica está à venda no site da Verlidelas, mas – na tentativa de proporcionar entretenimento a todos durante a quarentena – o autor e a editora estão disponibilizando gratuitamente, inclusive para download, o PDF de todo o livro.

 

Fique à vontade para repassar o arquivo para amigos e parentes.

 

Leia ou baixe todo o livro no link abaixo:

https://www.verlidelas.com/product-page/favela-g%C3%B3tica

 

Link do livro no SKOOB:

https://www.skoob.com.br/livro/840734ED845858

 

Book trailer

https://youtu.be/FjoydccxJGA


 

Entrevista sobre o livro na FM Cultura

https://youtu.be/IuZBWIBYeHE


 

 

 

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