Se
eu fosse escrever tudo o que esse livro me fez pensar, acabaria com um outro
livro quase do mesmo tamanho, composto por três quintos de entusiásticas
louvações ao pensamento de Vargas Llosa, um quinto de veemente discordância às
ideias do autor e mais um quinto de tenebrosas lamentações pelo triste estado
da cultura e da arte nos dias de hoje, objeto das reflexões e denúncias desta
incrível e marcante obra que é “A Civilização do Espetáculo”.
Schopenhauer
aconselha a nunca ler um livro sem ter antes refletido sobre o assunto que é
tratado por ele. Ao menos dessa vez cumpri esse sábio conselho, pois venho
pensando sobre esse tema há um bom tempo: a decadência das artes e o esvaziamento
do conceito de “cultura”. Ao observar pela primeira vez esse fenômeno, eu
timidamente o chamei de “revolução da simplificação”. Tempos depois, já
convencido por A mais B de que de fato isso estava acontecendo, chamei de
“ditadura da mediocridade” (em uma entrevista para a FM Cultura de Porto Alegre
com o querido amigo escritor Luis Dill, confira no link: https://www.facebook.com/sincronicidio/videos/1141766595933585/).
Pois
bem, essa percepção que vinha me atazanando há tempos foi definida com muito
mais elegância e precisão por Mario Vargas Llosa: “a civilização do
espetáculo”, onde o entretenimento é o fim e a meta de toda e qualquer produção
artística, de toda cultura, de toda política, de toda religião. Nada melhor que
deixar o próprio autor explicar do que se trata:
A
questão é muito complexa e suscita inúmeros questionamentos. Será que a função
da arte como transcendência e libertação para o homem só pode ser acessada por
uma pequena elite cultural? Será que as massas estarão sempre condenadas a “ralar
no chão”, como são comandadas a fazer pelos atuais sucessos da música baiana (e
brasileira e mundial, pois a mensagem de emburrecimento e alienação é sempre a
mesma, só muda o sotaque)?
Lendo
esse livro compreendi melhor muitos fenômenos bizarros de nossa atualidade,
como por exemplo e principalmente a “estupidez arrogante”. Fomos levados a crer
que tudo é a mesma coisa, em matéria de cultura e arte. Por exemplo: Anitta e
Pablo Vittar são “a mesma coisa” que Chico, Caetano e Gil. Nora Roberts e E. L.
James são “a mesma coisa” que Aldous Huxley ou Jorge Amado. Por extensão,
tornou-se mera questão de “opinião” se a Terra é plana ou não, se houve
ditadura militar no Brasil ou não e assim por diante. A opinião de um
historiador ou cientista vale tanto quanto a de qualquer youtuber bombado, e
talvez até menos: pois na civilização do espetáculo, não importa se algo é
verdadeiro ou Fake News, mas apenas quantas curtidas e compartilhamentos
recebeu.
Preciso
registrar que discordei de duas posições do autor, no tocante às relações da
cultura com a política e com a religião. No primeiro caso, ele condena a
exposição exagerada dos podres dos políticos, que ao seu ver leva a uma
descrença geral com a política e com a classe dos políticos. Eu acho que antes
de mais nada não adianta muito discordar disso, pois não irá alterar as forças
em curso. E sobretudo acredito que essa desmoralização total e absoluta dos
políticos serve para a superação desse paradigma para lá de obsoleto: o futuro
dirá.
Com
relação à religião, Llosa comente o erro de todo ateu, ao confundir religião
com espiritualidade. Todo ateu que conheci se coloca contrário a algum sistema
religioso (geralmente a Igreja Católica), mas a espiritualidade é muito mais
abrangente que qualquer religião. Afirmar que Deus não existe é tão
anticientífico quanto afirmar que Ele existe, mas a maioria dos cientistas (não
todos, felizmente) alegremente adere ao dogma de que Deus não existe, e é por
isso que temos uma ciência desconectada da espiritualidade, que serve à
ganância humana (ajudando a destruir o planeta) e não à meta da verdadeira
sabedoria, que só poderia conduzir à felicidade de todos.
(coloco
entre parênteses uma ironia: fiquei espantado com o vigor de Llosa ao discordar
de pensadores como Foucault e Baudrillard, e no entanto eis-me aqui,
discordando de Llosa!)
A
conclusão que cheguei, ao término dessa leitura, é a de que estamos
testemunhando “fim do mundo como o conhecemos”. Independente de toda a
devastação que o homem está promovendo na natureza (que já está cobrando o seu
preço), uma sociedade com a arte e a cultura decadentes certamente está com os
dias contados. Só quero viver para ver o Novo chegando!
\\\***///
ESCRITORES
PERGUNTAM, ESCRITORES RESPONDEM
Escrever
para quê?
Doze
escritores dos mais diversos estilos e tendências, cada um de seu canto do
Brasil, reunidos para trocar ideias sobre a arte e o ofício de escrever. O
resultado é este livro: um bate-papo divertido e muito sério, que instiga o
leitor a participar ativamente da reflexão coletiva, investigando junto com os
autores os bastidores da literatura moderna. Uma obra única e atual,
recomendada a todos os que amam o mundo dos livros.
Disponível
no link abaixo, leia e compartilhe:
http://www.recantodasletras.com.br/e-livros/5890058
Maravilhosa postagem!
ResponderExcluirQuisesse eu, ser uma flor na primavera.
Beijo e uma boa noite!
Gratidão, querida!
ExcluirBeijos