Georges
Simenon, definitivamente, é um de meus autores favoritos. A cada livro dele que
leio, seja ou não protagonizado pelo comissário Jules Maigret, só aumenta o meu
fascínio diante de um irresistível contador de histórias. E boa parte desse
encanto, só pude perceber agora, reside justamente no fato de não saber ao
certo o que torna os livros de Simenon tão incrivelmente bons!
E
agora, ao ler em sequência nada menos que dezessete histórias curtas de Maigret
reunidas em um tijolo que corresponde, em número de páginas, a cerca de três
romances de Simenon, tive uma bela oportunidade de apreciar um pouco melhor as
qualidades literárias desse grande autor.
O
ponto central das tramas de Simenon, e especialmente das estreladas por
Maigret, é a chamada “atmosfera”. O próprio método de detecção do comissário,
bem diverso de seus colegas Sherlock Holmes ou Hercule Poirot, consiste em
justamente absorver e ser absorvido pelo cenário onde foi cometido o crime. A
tal ponto que, no conto “A barcaça dos dois enforcados”, Maigret revela que
precisa “pensar barcaça” para conseguir desvendar o mistério.
Mas
como são construídas essas atmosferas tão envolventes das histórias de Simenon?
O autor possui uma técnica incomparável ao descrever cenários, que sempre são
retratados interagindo de alguma forma com as pessoas, e até dotados de algo
como um “estado de espírito”. Os cenários de Simenon estão longe de serem
objetos inanimados: vivem e respiram, participando ativamente da trama.
Até
aí eu já havia percebido em outras leituras, e até cheguei a comentar em
algumas resenhas. O que a leitura desses contos me trouxe, em termos de novas
descobertas, foram duas percepções principais:
1)
O DRAMA ACIMA DO CRIME
Em
boa parte das histórias de Maigret o “crime” cometido não se enquadra, de forma
exata e precisa, em termos de uma “infração à lei”. Em algumas histórias,
quando o mistério é solucionado, o “culpado” sequer chega a ser preso, pois não
cabe punição legal à ofensa que ele cometeu. Em outras, o próprio Maigret
resolve fazer vista grossa e liberar o ofensor das garras da lei, por entender
bem demais o drama humano que motivou o “crime”. Por aí já se percebe que “descobrir
o assassino” nas histórias de Simenon é sempre secundário, ao contrário de boa
parte das histórias policiais.
2)
ADORÁVEL TRAPACEIRO
Uma
vez que o drama está acima do crime, uma consequência direta é que o
“personagem” está acima do “detetive”. Por conta disso, Simenon trapaceia, com
charmosa cara-de-pau, em algumas das famosas e não escritas regras da história
policial. Uma das principais regras reza que o leitor deve ter acesso a todas
as pistas junto com o detetive, e o grande divertimento da leitura consiste
justamente no leitor tentar ser mais esperto que o detetive, desvendando antes
dele o mistério. Com Maigret, essa regra é totalmente subvertida, pois muitas
vezes as “pistas” são reveladas pelo próprio comissário, que invariavelmente
surpreendem o leitor pelo tanto que o comissário já depreendeu do drama humano
que está sendo apresentado. Se por um lado o jogo clássico da leitura policial
é frustrado, Simenon obtém grandes compensações por essa “trapaça”. Como quem
não quer nada, seu Maigret vai aos poucos se mostrando um verdadeiro
super-homem da intuição, capaz de reconstruir em um relance profundas tragédias
a partir das mínimas pistas. E ganha também o leitor, penso eu.
Esta
edição apresenta três ótimas introduções com análises feitas pelos escritores
Dominique Fernandez, Pierre Assouline e Denis Tillinac. Sugiro que sejam lidas
após a leitura dos contos em si, pois aparentemente a palavra “spoiler” ainda
não foi traduzida para o francês!
\\\***///
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“Em nossa cidade
habitam monstros, como em todas as outras.
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aqui ninguém finge que eles não existem.
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Gostei de ler. Muito bem!
ResponderExcluirBeijos e um bom dia
Gratidão, querida Cidália!
ExcluirBeijos