quarta-feira, 25 de maio de 2022

MENESTREL, PROFETA E ANTIFASCISTA: AS VIRTUDES LITERÁRIAS DE ROGÉRIO PUERTA

 


Resenha do livro “CONTOS ANTIFASCISTAS” de Rogério Puerta


A primeira surpresa que tive com esse livro foi descobrir que foi publicado em 2017, ao menos um ano antes que o Brasil mergulhasse de cabeça em um sombrio delírio repleto de intenções fascistas. Se em 2017 alguém me perguntasse o que eu achava dos fascistas, muito provavelmente eu diria (em minha santa ingenuidade), que eles estavam restritos aos livros de história, graças a Deus por isso. E creio que nessa época (parece um passado remoto) muitos brasileiros compartilhavam de minha opinião de que o fascismo era algo morto e enterrado. Isso por si só já torna a publicação dos “Contos Antifascistas” de Rogério Puerta um ano antes das alucinações de 2018 um fato muito interessante e profético.

Pensar nisso me fez lembrar da lapidar frase de Ezra Pound: “o artista é a antena da raça.” Puerta certamente cumpriu o seu papel de artista ao captar e transmitir vibrações que estavam ecoando nos corações e mentes de nosso país (e do mundo), ainda não perceptíveis para a maioria dos mortais.

Mas o autor logo demonstra que tem muito mais a nos dizer que o mero anúncio de dias turbulentos pela frente. Ele já inicia o seu livro fazendo uma pergunta crucial:

“O que leva uma pessoa a assumir um posicionamento fascista, a ser uma pessoa fascista?”


O livro é dividido em quatro contos, cada qual retratando um tipo diferente de fascista: “O Fazendeiro”, “O Economista”, “O Policial” e “O Escritor”. Os personagens de Rogério Puerta são dotados de uma incomum capacidade de autoanálise e de sinceridade, e é graças a esse recurso que começamos a acessar respostas para a pergunta formulada no começo do livro. Um dos personagens, por exemplo, afirma abertamente:

“As pessoas em geral ficam muito preocupadas com o politicamente correto, não admitem que são racistas, não admitem que não gostam de pretos, que não gostam de mendigos. Viado até tolero, até acho meio engraçado, mas se há uma coisa que não suporto é mendigo e morador de rua.”

Em minha opinião, a entusiástica adesão de tantas pessoas à ideologia fascista vem justamente da implícita (e muitas vezes explícita) permissão que elas recebem para expressar seu racismo, sua homofobia, seu elitismo e seu machismo. Antes da recente ascensão do fascismo no Brasil, essas pessoas se sentiam “oprimidas” e “censuradas”, sem poder manifestar suas opiniões publicamente sem sofrer uma severa reprimenda da sociedade. Daí o grande apelo do líder fascista para essas pessoas: seu carisma vem de se orgulhar de ser homofóbico, racista, machista. Ao menos por um tempo, seus seguidores embarcaram na ilusão de que é certo, do bem e até cristão defender esses posicionamentos anti-humanos.

Mais à frente, o mesmo personagem diz:

“O que me traz desconforto é que esta gente insignificante, que jamais mudará nada e jamais dará alguma contribuição aos rumos do País, esta gente que, ao contrário, ainda recebe dinheiro do Governo para continuar não fazendo nada de suas vidas, esta gente aparenta estar bem melhor do que eu estou neste atual momento.”

Aqui temos uma chave importante para compreender a mentalidade fascista. Toda intolerância, ódio e preconceito nascem da infelicidade e do ressentimento. E o fascista projeta essas aflições mentais como sendo causadas por algum “outro” (o negro, o gay, a mulher, o pobre) justamente porque é incapaz de reconhecer em si mesmo a verdadeira origem de tanto sofrimento.

E é aí que vem outro dado importante para decifrar esse enigma do fascismo, ainda pela boca do mesmo personagem:

“Orgulhoso, não admitiria jamais ser apanhado pela armadilha do erro.”

Pessoas que se orgulham de saber mais que as outras são as mais fáceis de serem enganadas, pois dificilmente reconhecem um erro. Diante de qualquer contradição, mergulham mais fundo no autoengano. Esse é o segredo por detrás da disseminação de tantas Fake News com mensagens de ódio: as pessoas que as propagam desejam ardentemente que essas notícias sejam verdadeiras.

Além desses convites à reflexão, a prosa de Rogério Puerta vira e mexe nos brinda com frases instigantes como:

“Era uma mulher de meia-idade rancorosa, das que guardam remorsos em potes fechados na geladeira.”

“Haverá dia futuro quando o ódio voluntário seja catalogado como inequívoco suicídio.”

Outra frase que me fez pensar bastante foi essa:

 “Um dos maiores temores do escritor seria, provavelmente, a invisibilidade.”

Esse foi o segundo livro de Rogério Puerta que tive a feliz oportunidade de ler. O primeiro foi “Ultraluzidiogravitacional” (https://comunidaderesenhasliterarias.blogspot.com/2021/03/ultraluzidiogravitacional-rogerio-puerta.html), de ficção científica. Essa crescente familiaridade com a prosa do autor me fez notar algo curioso: existe uma cadência no texto de Puerta, pela repetição de algumas ideias centrais, especialmente ao início de cada parágrafo, que me evocou a princípio uma obra diametralmente diferente: “O Livro Perdido de Enki”, de Zecharia Sitchin (https://comunidaderesenhasliterarias.blogspot.com/2013/10/o-livro-perdido-de-enki-zecharia-sitchin.html). Aliás, foi principalmente nesse livro que eu e meu irmão Fabrício Barretto nos inspiramos para a composição da ópera rock “ANUNNAKI – Mensageiros do Vento” (https://youtu.be/bBkdLzya3B4).


Mas o que “O Livro Perdido de Enki” tem a ver com Rogério Puerta? É que nesse livro especificamente Sitchin emula o estilo de Endubsar, o escrivão da antiga suméria, o menestrel de tempos idos. Que interessante encontrar ecos da ancestral rapsódia na prosa brasileira e muito atual de Rogério Puerta…


 

\\\***///

 

FABIO SHIVA é músico, escritor e produtor cultural. Autor de “Favela Gótica” (https://www.verlidelas.com/product-page/favela-g%C3%B3tica), “Diário de um Imago” (https://www.amazon.com.br/dp/B07Z5CBTQ3) e “O Sincronicídio” (https://www.amazon.com.br/Sincronic%C3%ADdio-sexo-morte-revela%C3%A7%C3%B5es-transcendentais-ebook/dp/B09L69CN1J/). Coautor e roteirista de “ANUNNAKI - Mensageiros do Vento” (https://youtu.be/bBkdLzya3B4).

 

Facebook: https://www.facebook.com/sincronicidio

Instagram: https://www.instagram.com/prosaepoesiadefabioshiva/

 

5 comentários:

  1. Gostei muito da resenha. Resolvi visitar todos que eu sigo hoje. Abraço. https://botecodasletras2.blogspot.com/

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Jeanne: sem dúvida, meticulosa resenha, coisa de um profissional. Saudações!

      Excluir
  2. Vida longa à paixão por livros. Saudações a todos e todas. Recomendo muito o Favela Gótica de Fabio Shiva, o meu preferido. Valeu!

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Parabéns e gratidão pelo livro, querido irmão escritor!

      Excluir

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...