“A estrada” é um desses livros: ame-o ou deixe-o! Encontro-me no primeiro grupo. A aridez das palavras sempre me chama a atenção. O contato cru entre pai e filho reflete tudo o que há de bom e ruim no ser humano, um Jung moderno, econômico, metalingüístico, rude.
A perda da humanidade já se reflete na maneira de se dar nome aos personagens: “homem e menino”, “pai e filho” e nada mais. Sem identificação, sem identidade, mas não sem personalidade. Tudo isso é proposital, causa estranheza em meio ao cenário apocalíptico.
O menino mais parece o “grilo falante” de seu pai, sua consciência, é a lembrança da pureza. Não há passado e não há futuro, existe apenas a estrada. Isso me remete à Guimarães Rosa com seu “A outra margem do rio” – não é o caminho que importa, o que importa é o caminhar.
A tristeza traduz todo livro. A pouca felicidade é contida, o medo de ela acabar faz com que ela inexista em sua plenitude. Não existe o bem e o mal, isto é passado e as regras são todas feitas no momento em que ação se dá. É uma grande sacada e assim o ritmo, que é arrastado, ganha um pouco de dinamismo.
Tenho dificuldades com o estilo de Cormac, com seus excessos de conectivos ligando frases e mais frases, mas seu talento é inegável e a audácia de se tratar da solidão através do final dos tempos já mereceria menção honrosa. É um livro pesado, pra quem aprecia um diálogo consigo mesmo e gosta de tocar em feridas e tabus impostos por uma criação onde o certo e o errado são bem definidos, sem meio termo.
Observação: o filme também é belíssimo.
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ResponderExcluirRodolfo, gostei do livro. Recomendo. Foi direto para minha estante de preferidos.
ResponderExcluirConfesso que volta e meia lembrei de "Ensaio sobre a cegueira", do Saramago. Não pelo estilo, mas pelo contexto, pelo desamparo, pela falta de perspectiva, pela deriva.
É um livro que fala de medo, do desistir (será desistir ou apenas ver de forma mais clara), do continuar (será continuar ou apenas medo de ver e desistir?). Enfim, fala do homem em seus extremos. Principalmente fala da relação humana. Pai e filho.
Sabem o que me chamou a atenção? O pai, protetor, nutriente, afeto, é também, em vários momentos, o que restringe em nome dessa proteção/nutrição/afeto. No final, existe o encontro com o externo, o que vai além da relação a dois. É no final, apenas, que o menino consegue realizar o que em várias partes do livro queria/pensava realizar. Como se só nesse final conseguisse ser ele inteiro. Nesse sentido, o livro é também um rito de passagem.
E, na verdade, fica um pouco em suspenso se realmente isso é bom ou ruim. Afinal, quem garante que não é uma armadilha? Mas como seguir em frente, em terreno minado, sem riscos de cair em uma armadilha? Às vezes é preciso arriscar.
Família pode significar segurança e chance de sobreviver, mas apenas até um limite. E o mundo é mais do que sobreviver. É também arriscar...
Gostei igualmente do filme. Só que o final ali achei mais uma via só. No momento em que o menino consegue dar um passo adiante, não rodar apenas em círculos, protegido pela figura paterna, o filme mostra esse passo claramente como abertura para o social, e não para a morte. No livro, li como as duas possibilidades, como se ele não dissesse claramente a que grupo pertencia esse “outro”. Bem, talvez o livro também não deixe aberto, mas gosto de ler com o final aberto :-)
Querida Marcia, você disse tudo: "rito de passagem". Não importa pra onde, não importa se quer dizer meio social ou morte, o que realmente importa é que ele nos toca, nos faz pensar. É um livro que sai da mesmice, por isso mesmo, devemos lê-lo, confrontar nossos medos e arriscar.
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