Quatro foram as peças consideradas “míticas” por Sábato
Magaldi, organizador desse Teatro Completo de Nelson Rodrigues. São elas:
“Álbum de Família”, “Anjo Negro”, “Dorotéia” e “Senhora dos Afogados”.
Nessas obras, Nelson exercita ao máximo o estilo e a verve
que o tornaram único, e que ele mesmo chama de “teatro desagradável”. Na visão
do maior dramaturgo brasileiro, só existem dois tipo de peça: as
“interessantes”, feitas apenas com o intuito de entreter, e as “vitais”. Para
Nelson Rodrigues, todas as peças “vitais” são necessariamente “desagradáveis”.
Mais uma vez viajei muuuito nessa leitura das peças de
Nelson! Mas confesso que achei o primeiro volume bem mais “agradável” rarara!!!
Álbum de Família
Escrita em 1946, “Álbum de Família” ficou quase vinte anos
proibida pela censura. Foi encenada pela primeira vez em 1967.
Lendo a peça, o que causou surpresa não foi a proibição em
46, mas a liberação em 67!
Por essa primeira, pude entender um pouco o que seriam as
tais de “peças míticas”...
As ações e acontecimentos parecem mais comprometidas com o
“onírico” que com a “realidade”. A história parece aflorar dos porões do
inconsciente. Vendo por essa ótica muito peculiar, pela perspectiva do sonho,
começa a fazer mais sentido o bizarro mundo concebido por Nelson Rodrigues. Um
mundo onde toda felicidade é ilusão passageira e onde só pode haver amor onde houver
também incesto. O resto é ódio, desprezo ou indiferença.
Que família, essa do Nelson!
Anjo Negro
Ao ler essa peça tive uma descoberta curiosa: Nelson
Rodrigues está virando história...
...tudo porque suas histórias estão perdendo muito de sua
capacidade de chocar!!!
A maior parte do que fazia as pessoas se contorcerem em suas
cadeiras em 1948, ano de estreia da peça, simplesmente perdeu o sentido, o
referencial, não faz mais conexão com os dias de hoje.
Muito do impacto de Nelson Rodrigues está em mexer no que
está restrito, no que é proibido. Tire a restrição, tire a proibição, e a força
contrária também deixa de existir.
Tem muitas músicas tocando hoje nas rádios, com coreografias
sendo dançadas pelas crianças nas escolas, muitas e muitas músicas cujas letras
fariam Nelson Rodrigues corar de vergonha...
Que descoberta estranha! Uma obra que era considerada imoral
está virando banal...
Dorotéia
Passei a maior parte da leitura dessa peça pensando na
descoberta de que Nelson Rodrigues está perdendo o poder de chocar.
Uma questão de imediato se colocou: como seria um NR 2010,
uma versão “pós-modernizada” do autor, capaz de chocar as plateias de nossos
tempos?
Fazendo a mesma pergunta de outra forma: o que seria capaz
de chocar as pessoas hoje como as peças de Nelson Rodrigues eram capazes de
chocar as pessoas ontem?
Descoberta ainda mais curiosa foi perceber que já venho me
fazendo essa pergunta (por outras palavras) faz tempo!!!
Quanto à “Dorotéia”, foi um dos maiores malogros da carreira
de Nelson. Apesar da apaixonada e brilhante defesa de Sábato Magaldi em sua
introdução (aconselho fazer como eu e ler só no final, pois ele conta a
história todinha das peças!), nesse caso concordo mesmo é com a plateia que
desertou “Doroteia”, o eco fica por conta do teatro vazio... Concordo com o
próprio Nelson, pois achei essa peça beeem desagradável!
Senhora dos Afogados
Caraca!!!
Um chute bem forte em qualquer parte mole do corpo que deixe
a pessoa sem ar!!!
O lobo mau não está tão velho assim, meus camaradas, e ainda
pode assustar bastante!!!
Que bom que o livro encerrou com essa, mostrando Nelson em
excelente forma, capaz de tecer uma trama de puro pesadelo e horror.
Stephen King é fichinha comparado!!!
A força “plástica” (como o próprio Nelson gosta de falar) de
uma cena em particular foi tão impactante que sinto como se tivesse mesmo
visto, e não imaginado ao ler: uma mulher toda de branco diante do espelho. No
reflexo, ao invés dela mesma, aparece sua mãe de luto fechado e com cotocos
ensanguentados no lugar das mãos.
Sinistríssimo!
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