segunda-feira, 30 de julho de 2012

THOMAS HOBBES – Coleção Os Pensadores





Decidi fazer essa resenha por etapas, à medida que vou lendo, como uma maneira de me incentivar à leitura e também de registrar os pensamentos que forem me ocorrendo.

Considero essa leitura do “Leviatã” de Thomas Hobbes como mais uma importante etapa no estudo da construção do pensamento ocidental, mais uma peça no mosaico, mais uma parte completada no quebra-cabeças.

Vejo em Hobbes uma clara continuação do pensamento de Francis Bacon. Hobbes chegou a atuar como secretário de Bacon, que o tinha na mais alta conta. E assim como Bacon estava inebriado por ser o profeta da nova ciência, Hobbes também empunha a bandeira do materialismo e do mecanicismo com muita competência e entusiasmo.

Estou gostando bastante do jeito de Hobbes escrever, a leitura é agradável pela exposição clara dos conceitos. Nem sempre concordo com o que ele diz, mas sempre tenho admirado a maneira como ele diz!



LEVIATÃ – primeira parte – do homem


O primeiro grande aprendizado que tive com Hobbes foi o de que toda arrogância é também uma ingenuidade!

Pois Hobbes chega pisando firme no grande salão da filosofia. Ele fala em alto e bom som o que considera a Verdade. E com muita inteligência e sutileza, ele ironiza e ridiculariza posições contrárias às que ele defende. Essa postura, como um todo, eu considerei arrogante (ele mesmo define arrogância de forma bem diferente).

E onde está a ingenuidade de Hobbes?

Pois então. Hobbes está deslumbrado com as possibilidades do materialismo, do mecanicismo. Foi muito sugestiva para os homens de seu tempo a ideia de que a natureza pode ser explicada como se fosse um relógio, basta analisar o funcionamento de cada pecinha e pronto! Sabemos como funciona um relógio.
Só que o relógio é uma criação humana. Coisa bem diferente (e um pouco maior) é o Universo!

E aí está a ingenuidade de Hobbes, que acredita poder usar a fórmula mecanicista para explicar tudo no mundo. E nessa começa a definir (lindamente!) diversos conceitos puramente subjetivos, e assim vai entrando em um mato sem cachorro, sem perceber! Pois a subjetividade jamais poderá ser reduzida ao funcionamento de um relógio.

(A vantagem é minha por ter nascido quatrocentos anos depois de Hobbes e quarenta anos depois da Mecânica Quântica, que veio mostrar como a subjetividade está imanente a tudo!)

Daí toda a empáfia inicial que senti nele (junto com uma antipatia), converteu-se em inocência!

O mecanicismo foi um passo necessário na construção do pensamento. Hobbes não estava errado. Mas também não estava certo...



Hobbes X Sócrates

Basta fazer uma simples comparação. Sócrates (através de Platão) era defensor do idealismo. Platão com seu mundo das ideias gerou um modelo que até hoje ajuda o homem a compreender a si mesmo e ao mundo. “O Banquete”, por exemplo, até hoje é uma fonte preciosa de ensinamentos para quem quiser se nutrir deles.

Já “Leviatã”, que veio ao mundo 1.000 anos depois, hoje só interessa ao estrito grupo dos estudiosos da história da filosofia...

Hobbes era muito inteligente, muito talentoso. Mas apostou no cavalo errado!

Curiosamente, essa frase que ele cita em seu livro:

Nosce te ipsum, Lê-te a ti mesmo.” (28)

Guarda uma grande semelhança com o lema de Sócrates, gravado no pórtico do Oráculo de Delfos:

Gnothi Seauton, Conhece-te a ti mesmo.”



Hobbes X religião

É preciso ter em mente que a obra de Hobbes surge em um momento de podridão total da Igreja Católica (século XVII). Hobbes ataca com grande coragem e extrema inteligência a religião estabelecida:

“Esse medo das coisas invisíveis é a semente natural daquilo a que cada um em si mesmo chama religião, e naqueles que veneram e temem esse poder de maneira diferente da sua, superstição.
E tendo essa semente da religião sido observada por muitos, alguns dos que a observaram tenderam a alimentá-la, revesti-la e conformá-la às leis, e acrescentar-lhe, de sua própria invenção, qualquer opinião sobre as causas dos eventos futuros que melhor parecesse capaz de lhes permitir governar os outros, fazendo o máximo uso possível de seus poderes.” (96)

Genial essa visão dele! E também muito audaciosa!

O interessante é que Hobbes não é ateu. Muito pelo contrário, vejam a enfática afirmação que ele faz da existência de Deus:

“A curiosidade, ou amor pelo conhecimento das causas, afasta o homem da contemplação do efeito para a busca da causa, e depois também da causa dessa causa, até que forçosamente deve chegar a esta ideia: que há uma causa da qual não há causa anterior, porque é eterna; que é aquilo a que os homens chamam Deus. De modo que é impossível proceder a qualquer investigação profunda das causas naturais, sem com isso nos inclinarmos para acreditar que existe um Deus eterno, embora não possamos ter em nosso espírito uma ideia dele que corresponda a sua natureza.” (95)

Ele afirma que Deus existe, mas que não podemos conhecê-lo. E até faz uma bela analogia para essa situação (novamente sinto um cheirinho de Platão por aqui, em seu famoso mito da caverna): um homem cego de nascença pode sentir o calor do fogo, mas jamais poderá conceber a aparência do fogo.

Ok, Hobbes. Até aqui, tudo bem.



O problema é quando entra em cena a arrogância/ingenuidade:

“Que espécie de felicidade Deus reservou àqueles que devotamente o veneram, é coisa que ninguém saberá antes de gozá-la. Pois são alegrias que agora são tão incompreensíveis quanto a expressão visão beatífica, usada pelos Escolásticos, é ininteligível.” (64-65)

Aqui e em outros trechos Hobbes nega a existência da beatitude ou da experiência da comunhão com Deus, acreditando que está falando de uma verdade universal. Mas ele está falando só de sua própria experiência! Ele não conhece a beatitude, por isso acha que tal coisa não exista.

Uma mulher frígida ou um eunuco também teriam a mesma dificuldade em aceitar que o orgasmo exista...


To be continued...

O cerne de “Leviatã” não é a religião, mas a política.

Estou desconfiado de que essa visão mecanicista, que procura afastar Deus da equação (como algo que existe, mas não conta) foi extremamente prejudicial na construção do Direito e das Leis. Assim como o foi para a caminhada da ciência propriamente dita.

Mas é melhor continuar a ler um pouco mais...


“O desejo de riquezas chama-se cobiça, palavra que é sempre usada em tom de censura, porque os homens que lutam por elas vêem com desagrado que os outros as consigam; embora o desejo em si mesmo deva ser censurado ou permitido conforme a maneira como se procura conseguir essas riquezas.” (60)

“O medo dos poderes invisíveis, inventados pelo espírito ou imaginados a partir de relatos publicamente permitidos, chama-se religião; quando esses não são permitidos, chama-se superstição. Quando o poder imaginado é realmente como o imaginamos, chama-se verdadeira religião.” (61)

“De modo que na natureza do homem encontramos três causas principais de discórdia. Primeiro, a competição; segundo, a desconfiança; e terceiro, a glória.” (108)

“A transferência mútua de direitos é aquilo a que se chama contrato.” (115)

“E tudo o que não é injusto é justo.” (123)

“A questão de decidir quem é o melhor homem não tem lugar na condição de simples natureza, na qual (conforme acima se mostrou) todos os homens são iguais. A desigualdade atualmente existente foi introduzida pelas leis civis.” (129)

“Esse resumo é: Faz aos outros o que gostarias que te fizessem a ti. O que mostra a cada um que, para aprender as leis de natureza, o que tem a fazer é apenas, quando comparar suas ações com as dos outros estas últimas parecem excessivamente pesadas, colocá-las no outro prato da balança, e no lugar delas as suas próprias, de maneira que suas próprias paixões e amor de si em nada modifiquem o peso.” (131)

“A palavra “pessoa” é de origem latina. Em lugar dela os gregos tinham prósopon, que significa rosto, tal como em latim persona significa o disfarce ou a aparência exterior de um homem, imitada no palco.” (135)

Quero levar meu Espírito sobre a terra, e as águas diminuirão. Nesta passagem, deve entender-se por Espírito um vento (que é um ar ou espírito movido), que poderia ser chamado, como na passagem anterior, o Espírito de Deus, porque obra de Deus.” (291)



SEGUNDA PARTE – DO ESTADO

Está claro que a visão de Hobbes a respeito do homem está longe de ser otimista:

“E os pactos sem a espada não passam de palavras, sem força para dar a menor segurança a ninguém.” (141)

Ele chega a lançar um desafio, que acabou sendo de grande importância simbólica para mim:

“Pois se fosse lícito supor uma grande multidão capaz de consentir na observância da justiça e das outras leis da natureza, sem um poder comum que mantivesse a todos em respeito, igualmente o seria supor a humanidade inteira capaz do mesmo. Nesse caso não haveria, nem seria necessário, qualquer governo civil, ou qualquer Estado, pois haveria paz sem sujeição.” (142)

Ou seja, se existir um único povoado onde as pessoas vivam em harmonia, sem a necessidade de coerção, o mesmo seria possível para toda a humanidade! Isso incendiou minha imaginação. Lembro de ter lido a respeito de uma cidade na Europa que foi fundada para ser um experimento social, onde tudo era decidido por todos e para o bem de todos. Mas, ai de mim! Não lembro o nome da tal cidade! Como encontrar isso no Google? Sem uma palavra-chave, a Internet é inútil.

Mas a sincronicidade é lei forte e sempre presente. Anteontem, justamente quando estava determinado a terminar de uma vez a leitura desse “Leviatã”, assisti a um documentário sobre uma pequena ilha na Polinésia: Anuta, uma das comunidades humanas mais isoladas de que se tem notícia. Os 300 habitantes da ilha desenvolvem todas as tarefas coletivamente, e tudo é para o bem da comunidade. Ainda não é o exemplo perfeito, pois existe um chefe incontestável na ilha, mas já é um belo começo!


Lei do Karma

Hobbes é um pensador realmente notável, e tive grandes surpresas ao lê-lo. A maior delas foi certamente encontrar a MELHOR definição que já vi para o conceito hindu de “Karma” (é óbvio que Hobbes não falava diretamente de Karma, pois provavelmente nunca chegou a ouvir essa palavra):

“Não existe nesta vida nenhuma ação do homem que não seja o começo de uma cadeia de consequências tão longa que nenhuma providência humana é suficientemente alta para dar ao homem um prospeto até o fim. E nesta cadeia estão ligados acontecimentos agradáveis e desagradáveis, de tal maneira que quem quiser fazer alguma coisa para seu prazer tem de aceitar sofrer todas as dores a ele ligadas; e estas dores são as punições naturais daquelas ações que são o início de um mal maior que o bem. E daqui resulta que a intemperança é naturalmente castigada com doenças, a precipitação com desastres, a injustiça com a violência dos inimigos, o orgulho com a ruína, a covardia com a opressão, o governo negligente dos príncipes com a rebelião, e a rebelião com a carnificina. Pois uma vez que as punições são consequentes com a quebra das leis, as punições naturais têm de ser naturalmente consequentes com a quebra das leis da natureza e portanto seguem-nas como seus efeitos, naturais e não arbitrários.” (270)



TERCEIRA PARTE – DO ESTADO CRISTÃO

Essa parte me ensinou tanto, por meios indiretos...

Percebi com grande alegria que já encontrei minha verdade. Foi uma descoberta serena. Não sinto necessidade de ficar debatendo para defender meu ponto de vista, mesmo que seja com um interlocutor da grandeza do filósofo Thomas Hobbes.

A sensação que tive ao ler trechos dessa parte foi a de uma certa tristeza, por ver uma mente tão aguçada e privilegiada se debatendo em questões tão erradas e fora de propósito... o que me levou a novamente contextualizar o autor em sua época, e perceber que Hobbes foi fundamental para a caminhada intelectual e espiritual que a humanidade vem empreendendo. Foi um passo necessário, mesmo que na direção errada...

Um dos aprendizados que confirmei mais uma vez foi o de que é possível demonstrar TUDO o que se quiser citando a Bíblia!

Por exemplo, a intenção de Hobbes é demonstrar que o “Reino de Deus” é como um reino civil, e para comprovar isso cita a Bíblia de cabo a rabo. Só esqueceu muito convenientemente de citar um carinha chamado Jesus Cristo, que em uma frase joga por terra a elaborada teoria do filósofo:

“Interrogado pelos fariseus sobre quando viria o reino de Deus, Jesus lhes respondeu: Não vem o reino de Deus com visível aparência.
Nem dirão: Ei-lo aqui! ou: Lá está! Porque o reino de Deus está dentro em vós.” (Lucas)


Rabo preso

Apesar de o tempo todo afirmar que está falando a serviço da verdade imparcial, tem uma hora que Hobbes deixa escapar:

“o que contudo está sujeito, tanto nesta como em todas as questões cuja resolução depende das Escrituras, à interpretação da Bíblia autorizada pelo Estado de que sou súdito” (325)

Essa interpretação é a da Igreja Anglicana, fundada unicamente para que o Rei Henrique VIII pudesse se divorciar e casar novamente. Quem quiser que siga essa igreja, incluindo o Hobbes, mas eu estou fora!!!

Filósofo por filósofo, sou muito mais outro Thomas, o More, que foi encarcerado e depois executado justamente por não concordar com o divórcio de Henrique VIII. Enquanto estava preso, escreveu uma belíssima obra sobre tribulação e conforto espiritual, que mostra como há mil léguas que separam a sua visão da espiritualidade da visão mecanicista e chã de Hobbes.


QUARTA PARTE – DO REINO DAS TREVAS

Insisti e insisti nessa leitura que me foi tão custosa por um único motivo: queria saber o que era esse tal “Reino das Trevas”. Pobre tolinho ingênuo! Se eu tivesse pensado um pouco, descobriria facilmente que esse império do mal de que Hobbes fala é a Igreja Católica:

 “O maior e principal abuso das Escrituras e em relação ao qual todos os outros são, ou consequentes ou subservientes, é distorcê-las a fim de provar que o reino de Deus, tantas vezes mencionado nas Escrituras, é a atual Igreja, ou multidão de cristãos que vivem agora, ou que estando mortos devem ressuscitar no último dia.” (426)

Quem quiser jogar pedras na Igreja, vai encontrar aqui uma munição vasta e eruditamente explosiva. A mim, não me interessa isso, tanto que li pulando páginas, que já não aguentava mais essa leitura.

O problema é que Hobbes é mesmo um grande pensador da humanidade. Só que viveu em uma época que o levou a ser um dos pilares de um movimento filosófico que justamente em nossos dias está vivendo sua agonia final: o mecanicismo materialista. Por conta disso, de cada três frases de Hobbes, concordo com a primeira, discordo da segunda e fico na dúvida quanto à terceira. Imaginem o esforço mental de ler um livro nessas condições. Aff!!! Que esse Hobbes cansou minha baianitude!!!


Contra uma Igreja, a favor de outra


Fiquei um pouco decepcionado ao ver que Hobbes atacava a Igreja Católica tendo uma motivação ulterior, de agradar a seu soberano inglês e de por tabela defender a Igreja Anglicana.

O próprio Hobbes tece a corda para sua forca moral, ao dizer:


“Cícero faz uma honrosa menção de um dos Cássios, severo juiz dos romanos, por causa de um costume que tinha, nas causas criminais (quando o depoimento das testemunhas não era suficiente), de perguntar aos acusadores Cui Bono, isto é, que lucro, honra ou outro proveito o acusado obtinha ou esperava pelo fato.” (477)

Ou seja, uma coisa é atacar a Igreja movido pela paixão à verdade. Coisa bem diferente é por esperar benefícios do monarca inglês...


2 comentários:

  1. haha, gostei de seus comentários sobre a obra do Hobbes, eu estava procurando no tio google referencias e comentarios sobre o livro Leviatã para dar mais instiga a lê-lo.
    Parabéns meu conterrâneo

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