“– – –
– – – estou procurando, estou procurando.”
Massa!!!
***
Resolvi
ir fazendo alguns comentários à medida que for lendo, pois já de cara percebo
que essas páginas de Clarice têm uma sustança!!!
Optei
por não ler por enquanto à apresentação à obra assinada por Nádia Battela
Gotlib. Geralmente prefiro ter um contato o mais “despido” possível com o
autor.
Depois
da apresentação, nos deparamos com a advertência:
“A
POSSÍVEIS LEITORES
Este
livro é como um livro qualquer. Mas eu ficaria contente se fosse lido apenas
por pessoas de alma já formada.”
Vixe
que já gamei já nas primeiras linhas! Sensação assim só experimentei ao ler
Hermann Hesse ou Fernando Pessoa!
Li o
que pode ser o primeiro capítulo. Caramba y carambita, Zagor!
Tive
duas impressões fortes lendo esse primeiro capítulo.
1)
Clarice Lispector é a Experiência!!!
O filme
“A Experiência” fala de uma linda mulher cujo dna é metade humano e metade
alienígena.
Pois
então. O “dna literário” de Clarice é metade brasileiro, metade estrangeiro! É
uma fina iguaria intelectual ler o pensar nitidamente europeu, tal como o de um
Aldous Huxley (o mais próximo que encontrei), traduzido não, transmutado em
português!!! Uau!!!!
2)
Clarice Lispector é Anima Literatus!!!!
As
mulheres, de modo geral, possuem habilidade muito maior que os homens para
argumentar e defender pontos de vista. Eu mesmo, ao longo do tempo adquiri a
sabedoria de jamais tentar ganhar uma discussão com uma mulher.
Pois
então. Clarice é a Língua Feminina Suprema. Tremo só de pensar no que vem por
aí...
(e
ainda estamos no capítulo 1!!!!)
ANTES DE FALAR DA BARATA...
...devo
confessar que sentia uma secreta aversão por Clarice Lispector.
Não era
propriamente um preconceito, pois tentei ler “Perto do Coração Selvagem”
durante a adolescência. Parei em uma página menor que a minha idade. Não era a
Hora da Estrela de Clarice brilhar em minha vida: eu ainda não estava com a
“alma formada”.
Não era
machismo, tampouco. (Gosto de investigar a fundo tudo o que me incomoda, pois
invariavelmente descubro aprendizados preciosos). Não era uma birra em admitir
uma mulher no mais alto panteão literário. Pois já me rendi grato e submisso à
potestade feminina chamada Virginia Woolf (só para citar um exemplo).
De onde
vinha, então, essa hesitação em ler Clarice?
Graças
ao carinho da amiga Nora, fui contemplado por essa magnífica experiência que há
tanto tempo esperava por mim!
E
finalmente encontro o motivo para minha secreta resistência, resposta docemente
soprada pela própria Clarice!
Clarice
Lispector tem frases fulminantes. Esse é o problema. Suas frases são como
lâminas cortantes, que devem ser manuseadas com cuidado. Só deveria citar
Clarice quem sabe que está empunhando uma espada afiada! Pois é grande o perigo
de se cortar ou a outrem.
Por
exemplo, sua frase mais famosa:
“Não se
preocupe em ‘entender’. Viver ultrapassa todo entendimento.”
É
visceralmente verdadeira! Mas há que se conciliá-la sempre com:
“Conhece-te
a ti mesmo.”
Pois a
prosa de Clarice é um mergulho no útero da alma no esforço de entender! Não
pode jamais ser usada para justificar a obstinada ignorância ou a estupidez
orgulhosa de não saber.
O que
Clarice critica aqui é o mito da infalibilidade da razão humana. A razão é um
mero instrumento da alma, que como todo instrumento possui suas limitações.
A alma,
sim. É disto o que trata a literatura de Clarice.
BRINCANDO DE SAMURAI
“A vida
é tão contínua que nós a dividimos em etapas, e a uma delas chamamos de morte.”
“Mas
que abismo entre a palavra e o que ela tentava, que abismo entre a palavra amor
e o amor que não tem sequer sentido humano – porque – porque amor é a matéria
viva.”
“De
morrer, sim, eu sabia, pois morrer era o futuro e é imaginável, e de imaginar
eu sempre tivera tempo. Mas o instante, o instante este – a atualidade – isto
não é imaginável, entre a atualidade e eu não há intervalo: é agora, em mim.”
O que
tenho a dizer sobre a barata...
O
encontro de G.H. com a barata é uma profunda experiência xamânica. A faxina que
ela faz é em sua própria psique, vasculhando no fundo de sua alma, encarando o
proibido, o escondido, o inimaginável, almejando olhar nos olhos da Sombra para
abrir os portões do inconsciente.
Fiquei
absolutamente eletrizado! Só me senti assim ao ler textos da mais alta
espiritualidade.
***
“Mas
também sabia que a ignorância da lei do irredutível não me escusava. Eu não
poderia mais me escusar alegando que não conhecia a lei – pois conhecer-se e
conhecer o mundo é a lei que, mesmo inalcançável, não pode ser infringida, e
ninguém pode escusar-se dizendo que não a conhece.”
***
Quero
comentar esse trecho
“Vou
agora te contar como entrei no inexpressivo que sempre foi a minha busca cega e
secreta. De como entrei naquilo que existe entre o número um e o número dois,
de como vi a linha de mistério e fogo, e que é linha sub-reptícia. Entre duas
notas de música existe uma nota, entre dois fatos existe um fato, entre dois
grãos de areia por mais juntos que estejam existe um intervalo de espaço,
existe um sentir que é entre o sentir – nos interstícios da matéria primordial
está a linha de mistério e fogo que é a respiração do mundo, e a respiração
contínua do mundo é aquilo que ouvimos e chamamos de silêncio.”
UAU!!!
Como em
outras passagens do livro, senti aqui os ecos da mais profunda filosofia, a tal
ponto que se mistura com a mais alta espiritualidade!
Nesse
trecho em particular, senti os ecos de Nietzsche sintonizado com Parmênides, no
ponto em que ambos praticamente recitam os Vedas!!!
Não é à
toa que Parmênides é um de meus filósofos preferidos. Tudo o que havia para ser
dito, ele resumiu em uma simples frase: “o que é, é, o que não é, não é”. Só o
que existe pode ser. O que não é não pode existir. Não pode existir, por
exemplo, o vazio que separa dois seres. Entre dois seres, sempre há um terceiro
ser. Donde se conclui inevitavelmente que não existem seres separados, mas
somente um Ser!
(Nietzsche
entra na história porque foi graças à interpretação dele sobre os
pré-socráticos que pude enxergar e amar Parmênides!)
“Não,
em tudo isso eu não estivera enlouquecida ou fora de mim. Tratava-se apenas de
uma meditação visual. O perigo de meditar é o de sem querer começar a pensar, e
pensar já não é meditar, pensar guia para um objetivo. O menos perigoso é, na
meditação, ‘ver’, o que prescinde de palavras de pensamento.”
A
impressão que tenho é que Clarice descobriu a localização exata da Cidade
Perdida, não porque seguiu algum dos velhos e confiáveis mapas, mas porque
desbravou selvas e desertos até lá chegar, por suas próprias pernas e esforços.
Existem
grandes escritores que o são por dominar a arte de dizer belamente as coisas.
Outros, como Clarice, Hermann, Fernando, Carlos e mais alguns poucos
iluminados, escrevem belamente porque contemplam de olhos bem abertos a Beleza.
A diferença é sutil, porém fundamental.
A
NAMORADA DE FRANZ
Enxergar
a barata
em si
mesmo
e
compor um belo poema:
isso
faz de você um Kafka.
Enxergar
na barata
um
portal
para o
Si mesmo:
é o que
transforma em Clarice.
ALTA BRUXARIA
“O
presente é a face hoje do Deus. O horror é que sabemos que é em vida mesmo que
vemos Deus. É com os olhos abertos mesmo que vemos Deus. E se adio a face da
realidade para depois de minha morte – é por astúcia, porque prefiro estar
morta na hora de vê-Lo e assim penso que não O verei realmente, assim como só
tenho coragem de verdadeiramente sonhar quando estou dormindo.”
O maior
escritor brasileiro não é homem nem nasceu no Brasil!!!
Viva a
Mulher Clarice!!!
SPOILER??? O NOME DO ASSASSINO É...
Se esse
fosse um livro policial, creio que o trecho abaixo corresponderia à cena da
revelação, quando Hercule Poirot reúne todos na biblioteca e explica tintim por
tintim quem, quando, como, onde e porque.
Não sei
se pode ser considerado spoiler em um livro como esse, mas acho preferível o
excesso que a omissão. Leia o trecho abaixo apenas se já leu o livro ou se não
pretende lê-lo tão cedo (talvez mude de ideia)...
“Não é
pra nós que o leite da vaca brota, mas nós o bebemos. A flor não foi feita para
ser olhada por nós nem para que sintamos o seu cheiro, e nós a olhamos e
cheiramos. A Via-Láctea não existe para que saibamos da existência dela, mas
nós sabemos. E nós sabemos Deus. E o que precisamos Dele extraímos. (Não sei o
que chamo de Deus, mas assim pode ser chamado.) Se só sabemos muito pouco de
Deus, é porque precisamos pouco: só temos Dele o que fatalmente nos basta, só
temos de Deus o que cabe em nós. (A nostalgia não é do Deus que nos falta, é a
nostalgia de nós mesmos que não somos bastante; sentimos falta de nossa
grandeza impossível – minha atualidade inalcançável é o meu paraíso perdido.)
Sofremos
por ter tão pouca fome, embora nossa pequena fome já dê para sentirmos uma
profunda falta do prazer que teríamos se fôssemos de fome maior. O leite a
gente só bebe o quanto basta ao corpo, e da flor só vemos até onde vão os olhos
e a sua saciedade rasa. Quanto mais precisarmos, mais Deus existe. Quanto mais
pudermos, mais Deus teremos.
Ele
deixa. (...) Ele, por exemplo, Ele nos usa totalmente porque não há nada em
cada um de nós que Ele, cuja necessidade é absolutamente infinita, não precise.
Ele nos usa, e não impede que a gente faça uso Dele. (...)
Nós
somos muito atrasados, e não temos ideia de como aproveitar Deus numa
intertroca – como se ainda não tivéssemos descoberto que o leite se bebe. Daí a
alguns séculos ou daí a alguns minutos talvez digamos espantados: e dizer que
Deus sempre esteve! (...)
O leite
da vaca, nós o bebemos. E se a vaca não deixa, usamos de violência. (Na vida e
na morte tudo é lícito, viver é sempre questão de vida-e-morte.) Com Deus a
gente também pode abrir caminho pela violência. Ele mesmo, quando precisa mais
especialmente de um de nós, Ele nos escolhe e nos violenta.”
E O MARAVILHAMENTO NÃO PARA!!!
“-
Aguenta eu te dizer que Deus não é bonito. E isto porque Ele não é nem um
resultado nem uma conclusão, e tudo o que a gente acha bonito é às vezes apenas
porque já está concluído. Mas o que hoje é feio será daqui a séculos visto como
beleza, porque terá completado um de seus movimentos.
(...) O
Deus é maior que a bondade com a sua beleza.
Ah,
despedir-se disso tudo significa tal grande desilusão. Mas é na desilusão que
se cumpre a promessa, através da desilusão, através da dor é que se cumpre a
promessa, e é por isso que antes se precisa passar pelo inferno: até que se vê
que há um modo muito mais profundo de amar, e esse modo prescinde do acréscimo
da beleza. Deus é o que existe, e todos os contraditórios são dentro do Deus, e
por isso não O contradizem.”
“Eu
sabia que o erro básico de viver era ter nojo de uma barata.”
Recebi
essas palavras com a gratidão de quem recebe um ensinamento precioso, vital
até. Como alguém que se debate no oceano e de repente aparece alguém não com
uma bóia salva-vidas, mas com uma palavra que ensina a nadar.
Agradeço
pela Clarice em mim, que enxergava e sabia disso tudo antes, e que agora recebe
nessas palavras uma confirmação sagrada até, de tão intensa.
“A
Paixão Segundo G. H.” é com certeza um dos melhores livros que li na vida.
Minha
queridíssima amiga Nora, que me emprestou esse maravilhoso Portal para o Eu,
disse que era para eu escrever algumas palavras em um canto do livro. Só pude
fazer esse comentário:
ATENÇÃO:
ESTE
LIVRO AUMENTA A ALMA, QUE NUNCA MAIS VOLTARÁ AO TAMANHO ORIGINAL. LEIA POR SUA
CONTA E RISCO.
***///***
Aproveito para convidar você a conhecer o livro O SINCRONICÍDIO:
Booktrailler:
http://youtu.be/Umq25bFP1HI
Blog:
http://sincronicidio.blogspot.com/
LEIA AGORA (porque não existe outro momento):
Fabinho!
ResponderExcluirClarice é fascinante.
É preciso mesmo ter aparato psicológico para lê-la...
cheirinhos
Rudy