domingo, 12 de janeiro de 2014

LOCKE – Coleção Os Pensadores



Sempre é muito proveitoso dialogar com um homem sábio, mesmo quando não concordamos inteiramente com o seu ponto de vista. Não há dúvida de que John Locke foi um homem sábio, e que teve também uma vida bem interessante (chegou a viver disfarçado na Holanda sob o nome de dr. Van der Linden – pois além de filósofo era também médico – por conta de perseguições políticas). E não há dúvida também de que ler um livro de filosofia é como dialogar com o autor, se o livro for lido corretamente.

Pois de cara vem à mente o útil conselho de Schopenhauer, para quem jamais devemos ler um livro sem antes pensar por conta própria no assunto que o livro aborda. Eu mesmo, no decorrer de minha leitura da Coleção Os Pensadores, cheguei à conclusão de que é preciso vestir a “capa” de filósofo ao ler uma obra de filosofia, pois se lemos com reverente boca aberta, sem ponderar e considerar cuidadosamente o que estamos lendo, corremos sério risco de engolir umas moscas enormes, junto com as possíveis pérolas de sabedoria. Isso não é arrogância, mas puro senso prático: só se pode ler filosofia sendo filósofo. Caso contrário, estaremos apenas entrando em alguma seita, aceitando (ou rejeitando) as verdades dos outros sem pensar por conta própria. Esse método de leitura não torna a leitura mais fácil, muito pelo contrário! Mas tenho a convicção de que se não for assim, não vale a pena dedicar-se ao estudo da filosofia.

Dito isso, registro que a leitura do “Ensaio Acerca do Entendimento Humano” de John Locke foi beeem custosa! Não porque o autor seja difícil de ler, mas justamente pelo oposto: Locke expressa-se com clareza cristalina e grande elegância! Daí o perigo e a necessidade de grande atenção para separar o joio do trigo...

Locke foi um filósofo fundamental na construção do dito pensamento ocidental, e sua concepção do homem como uma “tábula rasa” (ou folha de papel em branco), que adquire conhecimento unicamente através da experiência sensível, foi um paradigma inatacável para a ciência, até a implosão do edifício do materialismo por conta do advento da Mecânica Quântica (se você ainda não ouviu a explosão, é porque ela ainda está acontecendo, agora mesmo... essas coisas levam tempo). E nessa concepção reside a minha diferença com Locke, pois ele começa seu livro afirmando que é obrigatório que o homem esteja consciente de qualquer pensamento que sua mente produza:

“Supor algo impresso na mente sem que ela o perceba parece-me pouco inteligível.”

Ora, Locke não tinha como suspeitar da existência do Inconsciente (descoberto por Freud), e muito menos da Superconsciência (velha conhecida da filosofia oriental e recentemente resgatada pelos filósofos quânticos). Mas ele desconhecer essas verdades sobre a Consciência não impede que todo o seu edifício filosófico tenha sido erigido sobre uma pedra em falso... e que curioso que a ciência ocidental tenha embarcado alegremente nessa canoa furada! Daí que já na página 38 me bateu uma preguiça de continuar a leitura (o livro tem 316 páginas)...

Mas sorte minha que não desisto facilmente! E também que estou neste mundo para realizar meus sonhos, e um deles é ler a Coleção Os Pensadores inteirinha. Mas não tenho muito interesse na história da filosofia, a não ser de modo secundário. Meu interesse maior é o de qualquer buscador humilde e sincero: eu quero é a Verdade!

Por isso tudo a leitura foi difícil, cansativa, mas muito valiosa. Dei muito valor ao gênio de Locke, que antecipou outros grandes pensadores:

* O próprio Schopenhauer na questão da liberdade humana. Locke afirma que a ação do homem é livre, mas o querer não é livre. Tempos depois, Schopenhauer sintetizou essa ideia em uma elegante frase muito citada por Einstein: “O homem pode fazer o que quer, é certo; mas não pode querer o que quer.”

* Ferdinand Saussare, o mestre da Linguística, também foi antecipado por Locke, quando ele afirma que não existe ligação entre o som de uma palavra (significante) e o que ela representa (significado).

* Penso que David Hume também foi antecipado, quando Locke afirma que muito de nosso conhecimento é sustentado pela crença de que as leis da natureza são imutáveis.

Mas o melhor ficou para o fim: que surpresa boa ver Locke afirmando que a existência de Deus é o único conhecimento que podemos obter exclusivamente pela razão (talvez até contradizendo sua própria teoria) e citando esse lapidar pensamento de Tully:

“O que pode ser mais totalmente arrogante e inconveniente que um homem pensar que tem uma mente e um entendimento nele, embora em todo o universo fora dele não haja tal coisa? Ou que estas outras coisas, que com o máximo esforço de sua razão pode escassamente compreender, poderiam ser movidas e dirigidas por nenhuma razão?”

Outra linda surpresa já no finzinho do livro (pág. 292) foi a ética proposta por Locke, baseada na caridade e na paciência mútuas, uma vez que o conhecimento humano baseia-se em mais opiniões que verdades, e é prova de sabedoria respeitar a opinião do outro, mais que tentar impor a sua a qualquer custo.

Valeu, John!!!



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MANIFESTO – Mensageiros do Vento



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