Sempre
é muito proveitoso dialogar com um homem sábio, mesmo quando não concordamos
inteiramente com o seu ponto de vista. Não há dúvida de que John Locke foi um
homem sábio, e que teve também uma vida bem interessante (chegou a viver
disfarçado na Holanda sob o nome de dr. Van der Linden – pois além de filósofo
era também médico – por conta de perseguições políticas). E não há dúvida
também de que ler um livro de filosofia é como dialogar com o autor, se o livro
for lido corretamente.
Pois
de cara vem à mente o útil conselho de Schopenhauer, para quem jamais devemos
ler um livro sem antes pensar por conta própria no assunto que o livro aborda.
Eu mesmo, no decorrer de minha leitura da Coleção Os Pensadores, cheguei à
conclusão de que é preciso vestir a “capa” de filósofo ao ler uma obra de
filosofia, pois se lemos com reverente boca aberta, sem ponderar e considerar
cuidadosamente o que estamos lendo, corremos sério risco de engolir umas moscas
enormes, junto com as possíveis pérolas de sabedoria. Isso não é arrogância,
mas puro senso prático: só se pode ler filosofia sendo filósofo. Caso
contrário, estaremos apenas entrando em alguma seita, aceitando (ou rejeitando)
as verdades dos outros sem pensar por conta própria. Esse método de leitura não
torna a leitura mais fácil, muito pelo contrário! Mas tenho a convicção de que
se não for assim, não vale a pena dedicar-se ao estudo da filosofia.
Dito
isso, registro que a leitura do “Ensaio Acerca do Entendimento Humano” de John
Locke foi beeem custosa! Não porque o autor seja difícil de ler, mas justamente
pelo oposto: Locke expressa-se com clareza cristalina e grande elegância! Daí o
perigo e a necessidade de grande atenção para separar o joio do trigo...
Locke
foi um filósofo fundamental na construção do dito pensamento ocidental, e sua
concepção do homem como uma “tábula rasa” (ou folha de papel em branco), que
adquire conhecimento unicamente através da experiência sensível, foi um
paradigma inatacável para a ciência, até a implosão do edifício do materialismo
por conta do advento da Mecânica Quântica (se você ainda não ouviu a explosão,
é porque ela ainda está acontecendo, agora mesmo... essas coisas levam tempo).
E nessa concepção reside a minha diferença com Locke, pois ele começa seu livro
afirmando que é obrigatório que o homem esteja consciente de qualquer
pensamento que sua mente produza:
“Supor algo
impresso na mente sem que ela o perceba parece-me pouco inteligível.”
Ora,
Locke não tinha como suspeitar da existência do Inconsciente (descoberto por
Freud), e muito menos da Superconsciência (velha conhecida da filosofia
oriental e recentemente resgatada pelos filósofos quânticos). Mas ele
desconhecer essas verdades sobre a Consciência não impede que todo o seu
edifício filosófico tenha sido erigido sobre uma pedra em falso... e que
curioso que a ciência ocidental tenha embarcado alegremente nessa canoa furada!
Daí que já na página 38 me bateu uma preguiça de continuar a leitura (o livro
tem 316 páginas)...
Mas
sorte minha que não desisto facilmente! E também que estou neste mundo para
realizar meus sonhos, e um deles é ler a Coleção Os Pensadores inteirinha. Mas
não tenho muito interesse na história da filosofia, a não ser de modo
secundário. Meu interesse maior é o de qualquer buscador humilde e sincero: eu
quero é a Verdade!
Por
isso tudo a leitura foi difícil, cansativa, mas muito valiosa. Dei muito valor
ao gênio de Locke, que antecipou outros grandes pensadores:
*
O próprio Schopenhauer na questão da liberdade humana. Locke afirma que a ação
do homem é livre, mas o querer não é livre. Tempos depois, Schopenhauer
sintetizou essa ideia em uma elegante frase muito citada por Einstein: “O homem
pode fazer o que quer, é certo; mas não pode querer o que quer.”
*
Ferdinand Saussare, o mestre da Linguística, também foi antecipado por Locke,
quando ele afirma que não existe ligação entre o som de uma palavra
(significante) e o que ela representa (significado).
*
Penso que David Hume também foi antecipado, quando Locke afirma que muito de
nosso conhecimento é sustentado pela crença de que as leis da natureza são
imutáveis.
Mas
o melhor ficou para o fim: que surpresa boa ver Locke afirmando que a
existência de Deus é o único conhecimento que podemos obter exclusivamente pela
razão (talvez até contradizendo sua própria teoria) e citando esse lapidar
pensamento de Tully:
“O que pode ser
mais totalmente arrogante e inconveniente que um homem pensar que tem uma mente
e um entendimento nele, embora em todo o universo fora dele não haja tal coisa?
Ou que estas outras coisas, que com o máximo esforço de sua razão pode
escassamente compreender, poderiam ser movidas e dirigidas por nenhuma razão?”
Outra
linda surpresa já no finzinho do livro (pág. 292) foi a ética proposta por
Locke, baseada na caridade e na paciência mútuas, uma vez que o conhecimento
humano baseia-se em mais opiniões que verdades, e é prova de sabedoria
respeitar a opinião do outro, mais que tentar impor a sua a qualquer custo.
Valeu,
John!!!
***///***
MANIFESTO – Mensageiros do Vento
Nenhum comentário:
Postar um comentário