Segundo
livro de Jorge Amado e o primeiro do chamado “ciclo do cacau”, escrito em 1933,
esta obra foi escrita, segundo nos conta o próprio autor, “com um mínimo de
literatura para um máximo de honestidade”. Narrado na primeira pessoa, fala
sobre as agruras dos pobres nas mãos dos ricos, drama universal que aqui é
representado pelos roceiros do cacau e sua exploração pelos coronéis.
A
leitura flui com a facilidade de sempre, embora a prosa de Jorge Amado ainda vá
alcançar alturas bem mais elevadas. E a história é tocante e comovente, tanto
no seu relato do sofrimento humano, quanto em certa ingenuidade, que leva Jorge
a ser um tanto maniqueísta ao criar seus personagens. O que há de tocante é a
linda crença na evolução humana, que faz o autor retratar o que vê de errado no
mundo, mas sempre com a esperança de ver esses problemas solucionados.
Na
época, em 1933, a solução parecia ser o socialismo. Jorge não tinha como saber
que a luta de classes que ele preconizava acabaria dando na “Revolução dos
Bichos”, feroz crítica de George Orwell ao comunismo, escrita mais de dez anos
depois de “Cacau”. No alvorecer da primeira fase literária de Jorge Amado,
ainda não havia como saber que o comunismo resultaria em um erro tão feio e
desumano quanto o capitalismo. Resta a nós, no presente e no futuro, buscar e
criar novas soluções que nos permitam continuar acreditando na humanidade.
E
aí é que entra a sincronicidade. No mesmo dia em que termino de ler “Cacau”,
eis que assisto ao lindo filme “Okja”, recentemente lançado. E sou tomado por
uma epifania, ao perceber insuspeitáveis semelhanças entre o livro do baiano
Jorge Amado e o filme do sul-coreano Joon-Ho Bong: as duas obras são marcadas
pela esperança de que somos capazes de fazer melhor, enquanto espécie humana. E
da mesma forma, por estarem ambas comprometidas em transmitir uma bela
mensagem, acabam sacrificando um pouco a perícia na arte de contar histórias.
Contudo mais importante que perceber essas semelhanças é descobrir mais um
indício da transformação de consciência que resultará (assim espero) na tão
sonhada Nova Era! Ouso profetizar que novos filmes, desenhos, livros,
web-séries etc. seguirão essa nova e perfumada tendência assinalada por “Okja”,
conciliando a importante missão de conscientização com uma progressiva habilidade
narrativa. Que assim seja!
Por
último, mas não menos importante, uma descoberta interessante sobre a
literatura de Jorge. Ao ler “ABC de Castro Alves” há alguns meses fiquei muito
intrigado com a violência e raiva com que Jorge Amado atacou Machado de Assis, uma
intensidade emocional que ao meu ver não ficou justificada pela explicação de
Jorge, de que Machado, sendo mestiço como era, não lutou de forma mais ativa
contra a escravidão e o racismo. Achei esse ataque de uma insensibilidade
gritante e muito pouco condizente com a largueza de alma do gênio Jorge Amado.
Daí que fiquei encafifado com isso, e fui ler Machado: “Esaú e Jacó”, que me
deleitou pelo domínio de mestre do recurso da ironia, que não deixa de ser uma
forma eficaz de contestar o que está errado no mundo: ridendo castigat mores.
Mas
ainda não atinava com o motivo dessa birra de Jorge, e por isso essa leitura de
“Cacau”. E então nova epifania: a partir de “Gabriela, Cravo e Canela”, de
1958, Jorge Amado inicia uma nova fase literária, de crônica de costumes (sendo
a primeira, de “Cacau”, de crítica social libertária). Ora, nessa segunda fase
Jorge está mais genial do que nunca, sobretudo por um elemento quase
inexistente na primeira fase: a ironia. Acontece que a ironia é irmã do cinismo,
e só pode surgir em um coração já cansado de lutar por um mundo novo, um
coração que não é mais ingênuo para acreditar em dias melhores para uma
humanidade melhor. A ironia é o recurso do coração que foi ferido, de “rir para
não chorar”.
Daí,
então, essa mágoa de Jorge Amado com Machado de Assis (em minha louca opinião):
Jorge não aceitou se ver tão envelhecido no espelho da ironia de Machado, pois
preferia ter continuado sempre com o coração de menino, como Castro Alves!
Coisa de gênio...
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MANIFESTO – Mensageiros
do Vento
Um
experimento literário realizado com muita autenticidade e ousadia. A ideia é
apresentar um diálogo contínuo, não de diversos personagens entre si, mas entre
as diversas vozes de um coral e o leitor. Seguir a pista do fluxo da
consciência e levá-la a um surpreendente ritmo da consciência. A meta desse
livro é gerar ondas, movimento e transformação na cabeça do leitor. Clarice
Lispector, Ferreira Gullar, James Joyce e Virginia Woolf, entre outros, são
grandes influências. Por demonstrarem que a literatura pode ser vista como uma
caixa fechada, e que um dos papéis mais essenciais do escritor é, de dentro da
caixa, testar os limites das paredes... Agora imagine esse livro escrito por
uma banda de rock! É o que encontramos no livro MANIFESTO – Mensageiros do
Vento, disponível aqui. Leia e descubra por si mesmo!
http://www.recantodasletras.com.br/e-livros/5823590
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