domingo, 4 de fevereiro de 2018

ZONA MORTA – Stephen King


Li “Zona Morta” aos 15 anos, e reler o livro agora foi como vestir de novo uma velha e confortável calça jeans. Esse está bem na média na vasta obra de Stephen King: não é uma de suas obras-primas, mas também está longe de figurar entre as piores. A história gira em torno de John Smith (algo como “João Silva” em português), que enfrenta inúmeros perrengues ao despertar de um coma de quatro anos e meio com poderes paranormais.

Stephen King foi meu autor favorito na adolescência, depois enjoei. Desde o ano passado cismei de ler (ou reler) mais alguns de seus livros, tentando entender não tanto o que faz dele um escritor tão bom (pois isso percebi bem nas dezenas de livros dele que já li), mas principalmente o que me fez gostar menos dele. Pois então, curti bastante reler “Zona Morta”, mas percebi aqui uma incongruência muito interessante, que talvez seja crucial na obra do autor: Stephen King é essencialmente um materialista, apesar (ou justamente por causa) de ter ficado célebre tratando de temas sobrenaturais. A concepção de um médium ateu é totalmente inverossímil, mas de um modo invisível para um materialista. Talvez só os ateus possam escrever histórias de terror no estilo moderno, ocidental. Lembrando de certas passagens escabrosas do Mahabharata, penso que um olhar espiritualizado é capaz de conceber um tipo de terror totalmente diferente, o que me enche a cabeça de ideias e possibilidades...

Mas como a Literatura tem o poder de nos surpreender, a maior parte dessa releitura girou em torno da inquietante pergunta que Stephen King faz na segunda parte do livro:


“SE VOCÊ PUDESSE VOLTAR NO TEMPO ATÉ O ANO DE 1932, NA ALEMANHA, VOCÊ MATARIA HITLER?”

Isso me levou a viajar por lugares inesperados. Pois recentemente me pus a refletir sobre o que levaria uma pessoa em sã consciência a querer a volta da ditadura militar, ou a alternativa democrática mais próxima disso, que seria querer votar em Bolsonaro. Tenho notado um número alarmante de amigos e parentes defendendo esse tipo de ideia, por isso fiz um esforço honesto de tentar compreender suas motivações. O me levou a traçar um perfil básico de um defensor da ditadura / eleitor de Bolsonaro:

* Sente-se lesado em seus direitos ou injustiçado de alguma forma. Devido ao componente de raiva muito forte em seus sentimentos, talvez a palavra mais adequada seja “ultrajado”.
* Acredita fazer parte de uma elite moral ou virtuosa (os “honestos”, “trabalhadores” ou “de família”).
* Possui uma noção muito estreita de coletividade. Seu “próximo” limita-se à sua família imediata e/ou ao grupo virtuoso ao qual acredita pertencer.
* Sente raiva, muita raiva. E acredita que a solução para a sua raiva seja uma bota na cara de alguém, de preferência alguém rotulado como pertencente a um grupo oposto ao seu: os “desonestos”, “vagabundos” e “imorais”.
* E aqui está o ponto central da coisa: acha certo delegar poderes a alguém que se propõe a meter a bota na cara dos outros, e acredita estar protegido dessa bota, por pertencer ao grupo virtuoso.

A imagem da “bota na cara” vem do clássico “1984”, de George Orwell, que traz a frase mais apavorante que já li em um livro, a ponto de ter ficado gravada a ferro e fogo na memória:

“Se queres uma imagem do futuro, pensa numa bota esmagando um rosto humano – para sempre.”

Essa questão da raiva motivou Stephen Hawking a declarar recentemente que teme pelo futuro da humanidade, a partir de situações como a eleição de Trump e o Brexit. Bolsonaro e a volta da ditadura são as manifestações brasileiras dessa ameaça planetária.

De Bolsonaro a Hitler, e daí à “Zona Morta”: pensar nessas questões realmente aterrorizantes me fez perceber que Hitler não foi esse monstro todo-poderoso, capaz de arrastar seu país – e o mundo – para o caos da violência sem sentido. O povo alemão, que se sentia ultrajado e raivoso na época da República de Weimar, é que tornou Hitler possível. Por isso, respondendo à pergunta de Stephen King, não adiantaria muito matar Hitler em 1932. O povo encontraria outro candidato disposto a meter a bota na cara dos outros. Desde a época das cavernas, infelizmente, esse tipo de ser humano nunca esteve em falta no mercado.


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MANIFESTO – Mensageiros do Vento

Um experimento literário realizado com muita autenticidade e ousadia. A ideia é apresentar um diálogo contínuo, não de diversos personagens entre si, mas entre as diversas vozes de um coral e o leitor. Seguir a pista do fluxo da consciência e levá-la a um surpreendente ritmo da consciência. A meta desse livro é gerar ondas, movimento e transformação na cabeça do leitor. Clarice Lispector, Ferreira Gullar, James Joyce e Virginia Woolf, entre outros, são grandes influências. Por demonstrarem que a literatura pode ser vista como uma caixa fechada, e que um dos papéis mais essenciais do escritor é, de dentro da caixa, testar os limites das paredes... Agora imagine esse livro escrito por uma banda de rock! É o que encontramos no livro MANIFESTO – Mensageiros do Vento, disponível aqui. Leia e descubra por si mesmo!
http://www.recantodasletras.com.br/e-livros/5823590

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